| 1 mar 2015
Se a alma de uma orquestra é a sua sala de concertos, a nossa está reverberando alegria agora
Era 1894 quando Mahler, logo depois de concluir sua Sinfonia em dó menor, escreveu: “o termo ‘sinfonia’ significa criar um mundo com todos os meios técnicos disponíveis”. Foi com um dos mundos sublimes criados pelo compositor que abrimos as portas do universo particular que passamos a habitar, a Sala Minas Gerais.
Harmonia, ritmo e melodia a parte, o que vimos e ouvimos nos dias 27 e 28 de fevereiro foi a imensa capacidade que a música de Mahler tem de nos arrebatar do primeiro ao último acorde. As nossas lágrimas no fim dos quase 90 minutos de música não nos deixam mentir. É como disse o maestro Fabio Mechetti antes de começarmos o concerto, “Mahler nos eleva”.
Há quem diga que a alma de uma orquestra é a sua sala de concertos. Pois ficamos muito felizes em dizer que finalmente encontramos a nossa em toda sua potência.
A Sala Minas Gerais por seu arquiteto*
A Sala Minas Gerais faz parte do notável projeto que é a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Afinal, ela foi projetada e construída especialmente para ser a sede desta Orquestra.
Todas as orquestras importantes ao redor do mundo estão intimamente ligadas às suas sedes. E os cidadãos têm orgulho de suas orquestras e das edificações que as abrigam.
Esta Sala tem um longo caminho e nasceu para nossa equipe em outubro de 2008. Estava trabalhando no exterior quando recebi uma entusiasmada mensagem do maestro Fabio Mechetti, expondo os planos de uma sala de concertos para a recém-criada orquestra. Tive clareza de que a mensagem era o embrião de um marco importante desta que é hoje uma realidade incontestável.
Quando regressei ao Brasil, imediatamente iniciamos o trabalho. Nosso primeiro passo foi definir o programa de necessidades da sede da Orquestra e da sala de concertos. Este estudo durou aproximadamente oito meses e definiu as bases do projeto arquitetônico que se consolidou na Sala Minas Gerais.
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CONCEITO
A sala de concertos foi projetada como um instrumento musical. Não imitando um instrumento, mas efetivamente sendo instrumento musical.
O trabalho dos acústicos de salas de música é muito semelhante ao de um luthier. Lidamos com o delicado diálogo entre espaço e tempo que caracteriza as complexas relações entre arquitetura, acústica e música. E dar conta destas relações implica em definir volumes, formas, dimensões, ou seja, esculpir o vazio interno da sala.
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Desde o início pensei que a Sala deveria refletir o vigor da Filarmônica: um conjunto musical jovem e com enorme força artística. A Sala não deveria repetir protótipos congelados e consagrados. Daí nasceu uma sala que reúne o conceito surround, ou em terraços como a da Berlin Philharmonie, dentro de uma orientação longitudinal, ou retangular, como da Sala São Paulo e da Boston Symphony Hall. Por isso trouxemos o envolvimento e a proximidade da tipologia em “terraços”, com os atributos acústicos das salas em forma de “caixa-de-sapato”.
Começamos definindo as grandes dimensões internas e a área do palco. Não apenas a área ocupada pelos músicos sentados, mas o espaço acústico que os envolve. A seguir, exploramos como a plateia se acomodaria ao redor do palco, planejando vários temas em conjunto: visibilidade, envolvimento, acústica e percepção espacial. Cada superfície e cada vazio estão relacionados aos equilíbrios que definem a qualidade da escuta sensível.
Para orientar o projeto foi construída uma maquete acústica em escala 1:50, a fim de, ao gerarmos som, avaliarmos os parâmetros acústicos. A cada avanço, esta maquete acústica ia sendo atualizada e os achados dos ensaios realimentavam revisões de projeto. E vice-versa. Esculpir e ajustar vazios requer um demorado trabalho.
Muitos elementos da Sala nasceram do processo de avaliação em modelos. As grandes paredes superiores e curvas – que chamamos de “velas” – nasceram para controlar a difusão sonora (espalhar o som para diferentes direções) e a quantidade de volume de ar interno na Sala. O nome velas apareceu, inicialmente, para encurtar paredes superiores curvas, e acabou pegando. São como velas de embarcações para a música navegar pela Sala e para o público embarcar na música.
As paredes, estruturas e instalações foram projetadas para manter silêncio dentro da Sala. Condição absolutamente necessária para a escuta sensível.
Definitivamente, um marco foi plantado aqui. Iluminado e iluminando, irradiando música, ampliando horizontes, a Sala Minas Gerais é um local de encontro de almas.
Fico sonhando com os muitos visitantes que permanecerão pelo menos um dia a mais em Belo Horizonte só para ouvir a Filarmônica em sua Sala, do mesmo modo como estendemos nossas viagens em outros lugares. A Sala Minas Gerais é um orgulho para os mineiros e, claro, para todos nós. É bom que possa ser assim.
José Augusto Nepomuceno
Arquiteto e acústico da Sala Minas Gerais
*Texto originalmente publicado no programa do Concerto de Abertura da Sala Minas Gerais
Depois de percorrermos várias partes do mundo, retornamos para o conforto do lar. No dia 17 de novembro, último sábado Fora de Série de 2018, trazemos a alegria da música do nosso povo.
No dia 20 de outubro, nossa Orquestra dedica um concerto inteirinho à Alemanha romântica de Schumann, Beethoven, Mendelssohn e Richard Strauss.
No dia 29 de setembro, nossa Orquestra traz para o palco da Sala Minas Gerais a Dinamarca com Nielsen, a Noruega com Grieg, a Suécia com Alfvén e a Finlândia com Sibelius.