A verdadeira fruição musical dos "Noturnos" de Chopin
| 8 jul 2020
Abbado explora a profundidade da Nona de Mahler
Gustav MAHLER | Sinfonia nº 9 em Ré maior
Ainda adolescente, lembro-me vivamente do primeiro ciclo das sinfonias de Mahler executado pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo ainda na gestão do maestro Eleazar de Carvalho. Já naquela época, embora totalmente imerso em música e tentando disfarçar a vontade enorme de um dia vir a ser regente, vi-me em direto conflito diante da genialidade e da profunda intimidação que essa música arrebatadora vinha a causar. Nada até então havia estimulado em mim tamanha sensação de surpresa e incredulidade e, ao mesmo tempo, agitação e desespero, quanto as gigantescas estruturas formais, as inesperadas progressões harmônicas, a orquestração tanto chocante quanto familiar, o paradoxo sempre presente do grito de dor e do conforto da alma, o hercúleo desafio da empreitada artística que é executar e escutar a música de Gustav Mahler.
Anos se passaram, e hoje, do outro lado da sala de concerto, tendo tido a oportunidade de dirigir várias vezes muitas de suas sinfonias e canções, confesso a minha intimidação, ainda não resolvida depois de décadas, diante de sua música. Executar Mahler é uma tarefa que exige total domínio técnico (músicos e regentes), aliado a um mergulho emocional que nos leva, artistas e plateias, a viverem uma das mais singulares experiências humanas. A cada execução ou audição aumentam o nosso respeito, a nossa admiração extraordinária, nosso profundo sentimento de humildade diante de obra tão genial.
Entretanto, isso não foi sempre assim. Depois de uma difícil e tardia conquista do público e dos próprios músicos, a obra de Mahler vem sendo reconhecida como uma das manifestações mais importantes e autênticas da complexidade do ser humano. É nela que nos vemos: seja aquilo que nos enobrece e exalta, seja no que nos envergonha ou deprime. É nela que o ser humano se transforma em música, e a música se torna essencialmente humana. É nela que gloriosamente ressuscitamos e tragicamente sucumbimos. Ela é fonte dos mais profundos questionamentos e das mais nítidas soluções. É nela que descobrimos a semente da vida e a inevitabilidade da morte. E é nela que experimentamos a força avassaladora do amor.
Qualquer uma de suas sinfonias poderia ser recomendada aqui. São monumentos consagrados do melhor da expressão humana. Mas, talvez seja em sua Nona que essa expressão se torna mais eloquente. Ela contém o eterno conflito entre o ideal de felicidade e esperança e a força inexorável da realidade e todos os seus desafios. Passados milênios, continua sendo esta a motivação para que nós, seres humanos, busquemos um equilíbrio que nos afaste cada vez mais da insensibilidade, da ignorância, da maldade, da desvalorização do espírito e daquilo que nos diminui.
A interpretação aqui recomendada une um dos maiores intérpretes mahlerianos, Claudio Abbado, com a fantástica Orquestra do Festival de Lucerne, composta pelos melhores músicos das grandes orquestras internacionais. Embora longa, a Nona de Mahler será, especialmente nas circunstâncias atuais, uma reflexão e um bálsamo a ser experimentado segundo a segundo.
A imagem que ilustra este post é uma fotografia de Moriz Nähr, 1907.
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