|    3 ago 2021

A nova geração da regência

Nos bastidores da Sala Minas Gerais, a movimentação é intensa. Os musicistas da nossa Orquestra e os profissionais de outras áreas circulam fazendo os últimos ajustes. No entanto, na manhã do sábado, dia 31/07, além das práticas de trompa e tuba que se ouviam ao longe, poucos eram os sons perceptíveis naquele espaço. A ambiência só se agitava com os passos apressados de quatro jovens que normalmente não são vistos por ali: três paulistas e uma mato-grossense, todos entre 24 e 26 anos, três deles recém-formados. Os quatro são os regentes ativos selecionados para a 12ª edição do Laboratório de Regência. 

 

Na sala de ensaios nº 2, localizada atrás do palco, Ana Laura Mathias Gentile (26), Emanuelle Guedes (24), Felipe Gadioli (25) e Raphaela Lacerda (25) passam então a se revezar no pódio e na escuta. Acompanhados das pianistas Ayumi Shigeta e Patrícia Valadão, e sob a observação atenta dos produtores Luis Otávio Rezende e Rildo Lopez, eles protagonizam a primeira edição do Laboratório em contexto de pandemia.

 

Para preservar o distanciamento estabelecido pelo nosso protocolo, esta edição não pôde receber os habituais onze regentes ouvintes. Se na forma as diferenças são visíveis, especialmente pelas máscaras e distância, o conteúdo continua sendo fundamental para a formação de regentes no país. Com a chegada dos alunos, o nosso Diretor Artístico e Regente Titular, Fabio Mechetti, torna-se também professor. Mesmo escondidos por trás das máscaras, eram notáveis os sorrisos e as expressões de excitação.

 

Após o almoço, os dois pianos na sala de ensaios se transformam em Orquestra – e, com ela, o novo desafio: ensaiar no pódio da Sala Minas Gerais a Abertura sorteada para cada um. Com o professor Mechetti sempre ao lado acompanhando cada subir de mãos e braços, como transmitir para o corpo orquestral cada intenção, cada nota? Questionamentos para os dias que se seguem, até a missão final: o concerto de encerramento, ao vivo, na Sala, e também transmitido para o mundo pelo nosso canal no YouTube nesta terça (03/08), às 20h30. 

 

Foi depois do primeiro dia de Laboratório que conversamos com os quatro regentes. Queríamos conhecê-los, saber quais eram os seus sonhos e como chegaram até aqui. Leia os melhores momentos da entrevista: 

 

Filarmônica: Vocês conseguem fazer um balanço do primeiro dia? Como estão se sentindo após essa primeira experiência?

 

Felipe Gadioli: Bem intensa, com uma certa dose de desespero [risos]…

 

Ana Laura Mathias Gentile: Não importa o quanto a gente estude, vai sempre ter algum detalhe que a gente não percebe. A peça que eu peguei era a que eu considerava, a princípio, mais fácil. Só que não, [a Abertura da ópera Semiramide, de Rossini] é traiçoeira. Foi muito interessante este primeiro dia para ver a riqueza dessa partitura tanto na masterclass quanto no ensaio da Orquestra. Muito bom mesmo.

 

Felipe: Eu acho que o maior segredo é conceber os gestos. Porque a gente estuda e planeja a sequência de gestos em casa; aqui, a gente descobre que é tudo diferente. Aquele gesto que você faz pode não ser o bastante ou ser demais. Você atrasa, tem vícios, coisas que não percebe estudando sozinho em casa. Então, quando você chega aqui é um universo novo. E também as experiências à frente das duas pianistas e depois com a Orquestra são dois universos. E a gente tem que aprender a se virar, porque o maestro está a todo momento dando orientações e a gente tem que mudar o gesto na hora. E tudo isso causa uma certa estranheza, né? Mas eu tô muito feliz. Nós estamos muito felizes em aproveitar isso em plena pandemia, eu acho que está sendo um privilégio gigantesco.

 

Raphaela Lacerda: Para mim, hoje foi um susto [risos]. Com o piano, a gente tem algumas dificuldades técnicas, são duas pessoas, são instrumentos específicos. Lá [no palco] são milhares de instrumentos e muito mais gente. [A Abertura Leonora nº 3], de Beethoven, já no meu estudo particular, era a peça que eu achava a mais difícil, tecnicamente falando. Quando eu dei os primeiros compassos com os pianos, eu falei: “ai, ai… o que é isso?”. Porque a gente estuda, canta, mas a pessoa interpretar rapidamente o meu gesto é muito diferente. E a gente testa coisas diferentes do que o maestro sugere, e, quando a gente ouve, também decide mudar porque não era exatamente isso que a gente queria. Quando trabalhamos com uma orquestra profissional, os nossos defeitos ficam muito mais visíveis, porque [os músicos] estão prontos para nos ouvir e nos acompanhar. Então, é um desafio como estudante, mas também é uma grande oportunidade.

 

Felipe: Eu acho que é uma constante saída da zona de conforto e são repertórios bem desafiadores.

 

Raphaela: São aberturas pedidas em concurso de regência e em audição de instrumentista. Então, é interessante para aprender na prática a dificuldade; agora eu entendo o que os professores falavam que era difícil.

 

Emanuelle Guedes: Acho que todos aqui, como estudantes, precisam deste laboratório. Todos aqui tiveram a experiência da orquestra estudantil, e são contextos diferentes, com atribuições completamente diferentes para o regente. Na orquestra estudantil, você precisa às vezes ensinar coisas básicas, elementares ao músico. Hoje, quando a gente chegou à frente da Orquestra, eu ouvi aquele som… afinado. [risos] Eu não precisava me preocupar com afinação, então tenho que trabalhar outros atributos, [como a] interpretação da obra, o contexto, o que aquele compositor quer. Quando o maestro diz pra mim que “às vezes, menos é mais”, é porque os músicos já sabem o que têm de fazer. “Então, marca o tempo, vai tranquila, quando chegar na parte que você realmente quer enfatizar, você faz”. Então, está sendo bem diferente. Você chega em algo mais puro da profissão, do regente como intérprete. O regente faz a ponte com o compositor, com o músico e, da orquestra, ele transmite paro o público. Isso é muito difícil quando você não tem essa experiência, né? Eu achei a Orquestra magnífica, com um som que eu nunca tinha experimentado, uma resposta rápida. E isso vai exigir da gente um refinamento do gesto, um refinamento da arte de ser um regente à frente de uma orquestra. 

 

Emanuelle Guedes. Foto de Flora Silberschneider

 

Filarmônica: O Laboratório de Regência é uma oportunidade para vocês trabalharem o estilo de cada um?

 

Ana Laura: Tem um lado de realmente desenvolver a nossa técnica a partir do que a gente tem como objetivo, mas também o de corrigir vícios que confundimos com o estilo. O Fabio Mechetti soube respeitar muito o nosso estilo pessoal, só que, ao mesmo tempo, apontou as coisas que não estavam claras para os músicos e que, na prática, acabaram prejudicando a execução do grupo. 

 

Ana Laura Mathias Gentile. Foto de Danielle Pinto

 

Felipe: Nosso estilo vai ser construído durante toda a vida. Eu digo estilo tanto como linguagem gestual quanto como concepção e tipo de som que queremos extrair da orquestra. Aqui, a gente trabalha o segundo de forma muito clara porque, como a Emanuelle disse, é uma Orquestra que já corrigiu as coisas mais básicas. Quando começamos a aprender regência, primeiro fazemos o trabalho do metrônomo. Depois percebemos que só bater tempo não é suficiente. Então, a gente tem que partir para a coisa mais profunda, que é a concepção daquele texto musical. E um Laboratório para experimentar ideias e gestos talvez seja a maior ferramenta para isso.

 

Emanuelle: Se você não tem uma orquestra, não vai entender nem interagir com ela. Um instrumentista não pode passar muito tempo sem o instrumento por perto. Com o regente é a mesma coisa: a gente não pode passar tempo longe da orquestra. E, quanto melhor [a orquestra], mais ela vai exigir de nós. Ter um instrumento como a Filarmônica é um privilégio.

 

Felipe: Eu tive uma professora que, um dia, tocou um [violino] Stradivarius. E ela disse que é um dos instrumentos mais difíceis de se tocar, porque ele tem uma sonoridade tão pura e responde de forma tão natural quando você acerta o ponto da nota, que, quando você move um milímetro para cima ou para baixo, ele não responde. E com a Orquestra é a mesma coisa. É uma Orquestra esperta, afinada, refinada e com noção de prática em conjunto, coisa que se obtém por anos e vivência tocando junto. A gente tem que estar tão afinado quanto eles, e isso é algo que o maestro exige, que a nossa resposta seja à altura do que a orquestra nos dá.

 

Felipe Gadioli. Foto de Flora Silberschneider

 

Raphaela: Eu fui [regente] ouvinte do Laboratório em 2018 e 2019. Ah, é tão diferente ser ativa! Como estudante de regência, é muito importante assistir aos ensaios e aos concertos, mas os regentes estão prontos. Ver outros estudantes de regência é um aprendizado ainda maior, porque a gente vê os nossos erros neles, né? Agora, quando estamos no controle da Orquestra, percebemos ainda mais os nossos erros. Então, este laboratório é de extrema importância, porque a gente não não tem a oportunidade de reger.

 

Filarmônica: Como vocês comparam a experiência do Laboratório com outras experiências de aprendizado para regência? 

 

Emanuelle: Por exemplo, em festivais que participei, a classe de regência conduziu a orquestra de estudantes. Tudo bem que não são iniciantes, mas ainda em formação. [Depois você] pega um instrumento pronto, é outro patamar. Eu não imagino nem como balancear, porque é outra resposta. É outro estudo que você tem que fazer.

 

Raphaela: Essa peça [a Abertura Leonora de Beethoven] tem um final bem rápido. Uma orquestra de festival talvez não conseguisse fazer o tempo ideal. Aqui, o que o Fabio fala, a Orquestra faz. Eu fui puxando para a frente e eles foram. É uma outra situação nos cursos com orquestras mais amadoras ou com instrumentistas que não estão acostumados a tocar juntos. Aqui a Orquestra tá pronta, já tocou esse repertório mais vezes do que a gente sonhou. Eles estão esperando o que a gente tem para mostrar, que ideia temos para a música.

 

Raphaela Lacerda. Foto de Flora Silberschneider

 

Filarmônica: Como é ter a mentoria e a experiência do Fabio Mechetti de forma tão próxima? 

 

Ana Laura: Eu acho que a diferença é que nem sempre os professores estão disponíveis para esclarecer todas as suas questões. Alguns professores vão abordar mais a musicalidade, outros abordam só a técnica. Pelo menos por este primeiro dia, eu tenho a impressão de que ele alia as duas coisas. A musicalidade, a técnica e o que o aluno precisa ouvir. Eu estou me sentindo muito à vontade para falar com ele sobre as minhas dificuldades, as coisas que não caíram muito bem comigo na partitura.

 

Felipe: Eu concordo.

 

Raphaela: Até pela característica do Laboratório dois dias de atividades intensas e no terceiro já é o concerto –, o Fabio parece que consegue enxergar as coisas que mais tiram a efetividade do que a gente está fazendo. Ele não está aqui para mudar quem a gente é, mas para entender o que a gente quer e nos mostrar o caminho mais efetivo para o sucesso. Às vezes a gente tem a ideia, mas não pede da forma mais assertiva, e ele vai ao centro do que a gente precisa ouvir.

 

Filarmônica: Como vocês estão vivenciando o fato de esta ser a primeira edição do Laboratório com maioria de mulheres?

 

Emanuelle: O nosso meio de maestros é majoritariamente masculino. Então, essa representatividade feminina neste laboratório é pra mostrar que tem muitas mulheres. Eu achei algo bom. 

 

Ana Laura: Eu estudo feminismo desde 2017. O meu TCC [trabalho de conclusão de curso], por exemplo, foi sobre a Eunice Catunda, uma compositora de extrema importância para a história do Brasil. Um dos meus objetivos é quebrar essa barreira. Sendo mulher, fazendo uma coisa em princípio inusitada, as pessoas questionam muito. A mulher pode ter estudado um monte que vai ser questionada. Tem muita barreira para quebrar. 

 

Raphaela: Essa pergunta ia vir, e vem, e é meio difícil responder a isso. No ano passado, antes da pandemia, a gente estava em Curitiba em uma classe em que mais da metade era mulher. Mais de dez alunas regentes! Tiramos fotos, demos entrevista, nem a gente acreditava! O Brasil é um país muito grande e isso daqui reflete o tanto de estudantes que também estão indo atrás e se destacando. Quando eu vi três mulheres eu fiquei surpresa.

 

Ana Laura: Eu fiquei emocionada, honestamente. 

 

Raphaela: Nossa, três mulheres ativas! Porque, nos cursos, mesmo já tendo mais, às vezes não são ativas. Acho que a nossa geração de regentes também está se acostumando a ver mais mulheres na ativa e também a quebrar paradigmas não só em relação a isso, mas em relação à postura de liderança. Antigamente, os maestros desrespeitavam as pessoas. Hoje a gente entende que precisa encarar com outra postura, de igual para igual, não tão autoritária. Então, eu acho que muita coisa está mudando na nossa profissão, mas ainda tem muito caminho pela frente. 

 

Ana Laura: É uma questão de quebrar estereótipos de gênero. Porque a gente cria caixinhas de que mulher tem que ser de um jeito, tem que ser mais doce. E isso está muito longe da realidade.  

 

Raphaela: São três mulheres conquistando mais espaço, mas eu sou regente em primeiro lugar. Ainda causa curiosidade, mas tem uma linha tênue aí das pessoas verem a gente como “regente” antes de “regente mulher”.

 

Ana Laura: Eu diria primeiro como ser humano, depois como regente, depois como mulher. 

 

Emanuelle: Quando eu ouço um músico, eu quero saber o som dele, eu quero saber da arte dele. 

 

Raphela: Eu acho uma coisa engraçada porque tenho certeza de que quando o Fabio nos escolheu, ele não escolheu pensando nisso, mas porque somos merecedores de estar aqui. As instituições têm que começar a nos ver como regentes.

 

Felipe: Nós estamos passando por uma fase de transição e isso gera turbulência. Eu não posso falar pelo movimento feminista, mas eu posso falar pelo movimento LGBT. O machismo também gera a homofobia. Você entrar em uma orquestra com o cabelo com cor, uma tatuagem – nós, jovens, estamos no meio desses movimentos. A gente questiona por que a língua portuguesa é carregada de conceitos racistas, machistas, homofóbicos. A gente está tirando o véu da opressão, e não vai melhorar até o ano que vem nem daqui a dez anos, mas uma hora passa. Não só nas orquestras, mas em todas as áreas da sociedade.

 

Felipe Gadioli. Foto de Flora Silberschneider

 

Filarmônica: Como vocês entendem o cenário do Brasil para os regentes? 

 

Ana Laura: A tendência é a gente criar mais orquestras, porque, antes, não tinha Laboratório de Regência, festivais; e o conceito de faculdade de música aqui no Brasil começou a ser criado a partir de 1960. Então, antes não havia muita coisa a não ser uma relação de tutor e aprendiz. Agora, uma quantidade imensa de pessoas vai para fora, com mestrado em música, em regência. E ver mulheres regentes é impagável. O meu primeiro exemplo foi a Marin Alsop, em 2008. Eu era criança, estava na casa da minha avó em Marília e ela falou: “Nossa, uma mulher regendo a Osesp”! 

 

Raphaela: Precisamos criar novas orquestras para trabalhar e empregar os músicos que estão se formando. Esse trabalho de base precisa ser feito, para encher o Brasil de orquestras. Não vai ser fácil, e aí começa um outro trabalho, de colocar a música clássica na formação da escola. E tudo isso começa nos concertos. Nesta época de pandemia, outras pessoas foram alcançadas através das redes sociais e dos concertos transmitidos. 

 

Emanuelle: Vamos falar do cenário de profissionais de música no Mato Grosso. Temos, por exemplo, o CirandaMundo, que é um projeto social. Tem a Faculdade de Música (da UFMT). Eu acabei de me formar. Onde é que eu vou trabalhar? No Brasil de hoje, temos algumas opções: um mestrado fora, se você tiver condições pra isso; você pode conseguir ser assistente em algum lugar ou então montar o seu projeto. O investimento é a palavra; acho que a mão de obra para montar nós temos. 

 

Felipe: Pessoas que não ouvem música clássica sentem que existe um penhasco. Não gera identificação porque elas não conhecem. Nós, regentes, agentes da música de concerto, temos de descobrir uma maneira de criar essa identificação não somente com as pessoas que estão sempre nos concertos. Como expandir para que a orquestra deixe de ser um instrumento de poucos e passe a ser um instrumento de muitos? As coisas estão mudando, e talvez seja preciso também quebrar um pouco da prática centenária de concerto que vem da Europa. Nós não estamos na Europa. Talvez tirar um pouco esse ambiente sisudo, fazer mais concertos didáticos.

 

Emanuelle: No Mato Grosso existem algumas tradições como o rasqueado, o siriri, a dança de roda. Fizemos um concerto uma vez e trouxemos o “três contra dois” que, para o público, foi tão natural. A orquestra fez junto, as pessoas mesmo regendo parte daquele contexto, elas sentiram que aquilo estava dentro da cultura delas. Quando elas entenderam, disseram: “mãe, eu sei fazer! Vou tocar um instrumento, percussão, violino”. Meu TCC foi sobre uma Abertura de Gilberto Mendes. Quando eles ouviram e eu disse que era música de 1995, eles se sentiram confortáveis. Lá no Mato Grosso, nós viajávamos com o grupo [re]Percute para fazer concertos em escolas. Tínhamos muita percussão corporal, e os alunos diziam: “nossa, dá pra fazer som aí”. Se quisermos alguma transformação social, na mente das pessoas, o segredo é a educação e a arte.

 

Emanuelle Guedes. Foto de Flora Silberschneider

 

Filarmônica: Quais são as suas referências entre músicos e regentes? E por que vocês quiseram ser regentes? 

 

Ana Laura: Marin Alsop é um exemplo para mim, e outras pessoas se tornaram exemplos depois de eu começar a faculdade. Mas eu decidi pela regência de forma um tanto inusitada. Eu sou uma pessoa do teatro e, no final das contas, acabei trabalhando muito com artes cênicas como musicista. Então eu pensei: o que vai mais me doer abandonar, atuação ou a música? Aí eu consegui responder que vai me doer mais abrir mão da música. Fui para a música e me interessei pela grade da regência e o conceito de trabalhar com músicos, com o grupo. Por mais que a gente estude sozinho, o resultado é com pessoas… 

 

Ana Laura Mathias Gentile. Foto de Flora Silberschneider

 

Felipe: Antes de entrar na música, eu queria ser físico, mas a minha avó, já falecida, era violinista, tocou na Orquestra Sinfônica de Campinas. Eu sempre a vi tocar violino e aquilo me deu uma vontade… Eu queria fazer uma reunião de família e tocar junto com a minha vovó. Então eu disse: “pai, me compra um violino que eu quero aprender”, e foi um caminho sem volta. Quando percebi, eu já queria entrar na faculdade como compositor [risos]. Fiquei um ano na graduação de compositor. [Depois] não queria mais composição, queria ir para a regência, porque eu gostava muito de assistir ao [Gustavo] Dudamel – tá aí a minha referência. Há uns tempos, o Dudamel mexia bastante o corpo, com o cabelo bem grandão, eu achava aquilo sublime e queria fazer aquilo, ter aquela energia de fazer música com um monte de gente. Também tive professores que enfatizaram esse meu gosto pela regência. Na Unicamp eu tive oportunidade de reger grupos, fiz uma oficina com o Isaac Karabtchevsky no Rio de Janeiro, entrei na Osesp… e estou seguindo o fluxo. A minha paixão pela música, de sentir a pele arrepiar à frente de uma orquestra, parece que eu nasci para fazer isso. 

 

Raphaela: Bom, eu comecei a estudar violino na igreja aos sete anos. Para mim, era natural aos domingos ver uma orquestra. Desde cedo, passei a explicar para os outros como se tocava e mais tarde eu fui entender um pouco melhor o porquê dessa escolha. Depois eu participei de conservatórios, continuei estudando mais seriamente e fui para um projeto social, o Guri Santa Marcelina. Quando entrei, a gente teve a oportunidade de conhecer vários maestros, como o George Stelluto, diretor da Juilliard School, o Emiliano Patarra e o Lutero Rodrigues. E eu comecei a ficar interessada, porque era muito diferente do que eu estava acostumada. Por que ele pede isso e a gente sabe?, eu me perguntava. No vestibular, eu estava em dúvida entre violino e regência, mas queria entender mais aquilo. Aí comecei a entender na prática como ser efetiva com o gesto. 

 

Raphaela Lacerda. Foto de Flora Silberschneider

 

Emanuelle: Minha formação basicamente foi em corais de igreja. Na escola, eu participava de fanfarra, eu tocava flauta doce. Minha mãe percebeu que eu tinha certa musicalidade e, com mais ou menos doze anos, eu quis estudar piano. Eu estudei piano por dois anos e meio e disse: “entendi, [vamos ao] próximo” [risos]. Eu tenho uma certa curiosidade em entender o porquê de cada coisa. Aos dezessete anos, eu quis fazer vestibular para meteorologia, e minha mãe disse: “minha filha, você já toca piano, você gosta de música”. Estudei cada bacharelado e li sobre o que é ser regente. Essa coisa de psicologia, da curiosidade com cada idioma me despertou quando eu pesquisei sobre a profissão, e também a gestão, porque o regente coordena o grupo e precisa extrair o melhor de cada músico. A professora doutora Flávia Vieira me treinou durante esses seis anos de curso. E, na UFMT, a professora nos deixava a cargo da orquestra, desde carregar cadeiras até reger o concerto. A gente teve autonomia para aprender o que cada músico precisa. Durante o processo, eu me apaixonei pelo ofício. Não foi algo construído, não foi algo pensado. Foi algo conduzido, e hoje eu tô aqui. Todo mundo tem uma idealização; para mim é o [Seiji] Ozawa. Ele transmite a alma dele. Eu vi os vídeos e pensei que quero parecer um pouquinho com ele. 

 

Ana Laura: Eu quero ser o Claudio Abbado. 

 

Raphaela: É difícil citar uma referência, né? Eu vou falar o Abbado e o [Carlos] Kleiber. Ele faz tão pouco, mas é tão efetivo e dá para ver a musicalidade. E com certeza a Marin [Alsop], porque quando ela regeu a Osesp foi histórico. 

 

Felipe: A Marin também é uma grande referência para mim, e também o Karabtchevsky. A gente vai moldando nosso jeito de nos comunicarmos. E agora também com um pouquinho do Mechetti, né? 

 

Ana Laura: E pessoas que passaram pelo Laboratório também são exemplos, como a Natália Larangeira, a Mariana Menezes.

 

Raphaela: Priscila Bonfim. São pessoas que já estão com carreira fora ou que têm tido destaques nos palcos daqui.

 

Ana Laura: Inclusive, quando eu soube que tinha passado no Laboratório, primeiro chegou o e-mail do Fabio Mechetti e eu pensei: “hackearam o e-mail do Fabio Mechetti”! [risos] Até duas semanas atrás eu tinha um pouco de dúvida se isso ia acontecer mesmo. Eu me perguntei sobre essa síndrome de impostora que acomete as mulheres, de olhar para o passado do Laboratório e ver a quantidade de profissionais incríveis que passaram por aqui, e pensar: “eu tô incluída nisso?”. É algo que emociona e assusta bastante.

 

Raphaela: Inclusive, no intervalo, eu disse ao maestro que “eu penso em fazer uma coisa e dá errado; eu tento fazer outra, também dá errado”. Ele presta atenção e sabe extrair o melhor da gente. Então, ele respondeu: “você não é iniciante, faz isso e isso e vai dar certo”. 

 

Felipe: E deu certo?

 

Raphaela: Eu tenho que estudar amanhã! [Risos]

 

Ana Laura Mathias Gentile, Raphaela Lacerda, o maestro Fabio Mechetti, Emanuelle Guedes e Felipe Gadioli. Foto de Flora Silberschneider

 

Este projeto é apresentado pelo Ministério do Turismo, Governo de Minas Gerais, CS Brasil e Cemig, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Patrocinador: BMPI e Ibitu Energia. Realização: Instituto Cultural Filarmônica, Secretaria Estadual de Cultura e Turismo de MG, Governo do Estado de Minas Gerais, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.

Nossa programação educacional tem o apoio do programa Amigos da Filarmônica.

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