Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
| 19 jun 2018
No dia 23 de junho, nossa Orquestra faz uma viagem rumo ao Leste europeu de Bartók, Smetana, Dvorák, Karlowicz e Schulhoff. O pianista e cravista Moacyr Laterza Filho escreve sobre as obras dessa região que é um verdadeiro império musical.
por Moacyr Laterza Filho
Se se considerasse o Leste europeu ao pé da letra, bastaria tomar um meridiano de referência e localizar as nações, os povos ou as etnias à direita do mapa. Com isso, no entanto, surgiriam algumas contradições. Ficam a oeste a República Tcheca, mais da metade da Hungria (incluindo Budapeste), parte da Sérvia e da Polônia, e toda a Croácia, a Bósnia e a Eslovênia. Não é, portanto, a divisão cartesiana do mapa que define o Leste. Poder-se-ia, então, considerar as etnias eslavas. Neste caso, como explicar a Hungria ou a Finlândia? É que a noção moderna de Leste europeu é herdeira de dois momentos históricos, e nela a cartografia não é suficiente. O mais recente desses momentos agrupa todos os países europeus que estiveram, no século XX, sob a influência do regime soviético. O mais antigo remete aos grandes impérios do século XIX, que dominaram política, econômica e culturalmente certas nações ou povos: o Império Austro-húngaro, o Russo e o da Prússia, por exemplo.
Desde pelo menos esses grandes Impérios (e talvez antes), alguns polos situados na periferia dos grandes centros culturais e econômicos da Europa viram nas artes e na música uma forma de resistência e de manutenção ou construção de sua identidade, fazendo surgir, assim, suas próprias escolas nacionais. Algumas dessas escolas, como a tcheca, mantiveram-se continuamente frescas, sempre se reinventando. Outras, como a húngara e a polonesa, sofreram um eclipse que se desfaria apenas com os novos ares do século XX. É nesse contexto e nessa perspectiva, portanto, que, na música, se situa o Leste europeu.
No Leste, como dissemos, a escola tcheca sempre se manteve fecunda. Seu fundador, Bedrich Smetana, é símbolo de independência cultural e, com A noiva vendida, funda a ópera tcheca. Composta entre 1863 e 1866, e estreada em Praga, no ano de sua conclusão, A noiva vendida trouxe ao Ocidente a consciência das peculiaridades e especificidades da música tcheca, nem tanto pela inclusão de citações de temas populares ou de danças tradicionais, mas pelo uso desse je ne sais quoi que, nas escolas nacionais, muitas vezes se confundem com exotismos. No brilho da Abertura de A noiva vendida isso se afirma, não apenas em algumas harmonias, mas numa rítmica característica e em uma atmosfera festiva que mascara habilmente as danças tradicionais.
Mas, para o Ocidente, o maior representante da escola tcheca é, sem dúvida, Dvorák, talvez por ter ele mesmo estado no Novo Mundo. Esse grande melodista nutre seu lirismo, assim como Smetana, das fontes populares. Seu opus 91, No reino da natureza, composto em 1891 e estreado em Praga, no ano seguinte, faz parte de um tríptico de três aberturas de concerto, que inclui também a Abertura Carnaval, op. 92, e Otelo, op. 93. Popularidades à parte, o grande predicado de Dvorák foi ter destilado de seu folclore um material essencial, uma espécie de gramática que embasaria sua atividade criativa. Esse foi o mesmo processo usado, mais tarde, por Bartók.
Bartók compôs, para balé, O mandarim maravilhoso, entre 1918 e 1924, e o estreou em Colônia, em 1926. Nesse momento, ele se via fascinado pelos caminhos abertos por Debussy, mas ainda se encontrava envolvido nos trabalhos de pesquisa que empreendia, junto com Kodály, sobre a música tradicional de sua terra. A orquestração exuberante e as investidas ousadas de O mandarim maravilhoso, incorporado ao repertório sinfônico em forma de suíte, entre outras coisas, colocam Bartók, sem dúvida, no panteão do século XX.
Muito menos conhecidos do Ocidente são Schulhoff e Karlowicz. Do primeiro, as Cinco peças para quarteto de cordas encontram na ironia e na releitura inusitada tanto da suíte de danças barroca quanto da linguagem da Segunda Escola de Viena um caminho expressivo. Dedicada a Darius Milhaud, a obra foi estreada em Salzburgo, em 1924. Do segundo, nascido na então Lituânia, mas considerado um dos grandes nomes da música polonesa, depreende-se uma linguagem embasada num Romantismo tardio. No entanto, sua linguagem soa estranhamente moderna. Seu opus 11, composto provavelmente em Varsóvia, em 1906, é o terceiro de seus seis poemas sinfônicos. Essa duplicidade é que faz de Karlowicz um representante desses focos de resistência de onde nasce a criatividade.
* Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.
[Ilustra esta página um recorte de fotografia de Béla Bartók – quarto da esquerda para a direita – usando um gramofone para gravar canções folclóricas com camponeses em 1907. Autor desconhecido.]
REFERÊNCIAS
Para ler
Glenn Watkins – Soundings: Music in the Twentieth Century (Schirmer Books – 1988)
SCHULHOFF
Para ouvir
CD The Muir String Quartet – Schulhoff, Five Pieces for String Quartet e outras (Kids Classics – 2013)
Para assistir
Quarteto Ruysdael
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=25Y74IWimQo&feature=youtu.be
KARLOWICZ
Para ouvir
CD Karlowicz – Lithuanian Rapsody e outras | BBC Philharmonic Orchestra – Yan Pascal Tortelier, regente (Chandos – 2002)
DVORÁK
Para ouvir
CD Dvorák – Complete Symphonies; Overtures; Slavonic Dances; Symphonic Poems | Janácek Philharmonic Orchestra – Theodore Kuchar, regente (Brilliant Classics – 2015)
Para assistir
Czech Philharmonic Orchestra – Gerd Albrecht, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=EIQvVHO7K0A
BARTÓK
Para ouvir
CD Bartók – The Miraculous Mandarin | Montreal Symphony Orchestra – Charles Dutoit, regente (London – 1993)
Para assistir
London Symphony Orchestra – Claudio Abbado, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=WD-1Wyb4n0M
SMETANA
Para ouvir
CD Smetana – Moldau; The Bartered Bride | Wiener Philharmoniker – James Levine, regente (Deutsche Grammophon – 1989)
LP The Moldau and other favorites – Smetana, Bartered Bride Overture e outros | New York Philharmonic – Leonard Bernstein, regente (Columbia Masterworks / Remasterizado para streaming – Apple – 2018)
Para assistir
Berliner Philharmoniker – Mariss Jansons, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=QLUm_yvnyo4
Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
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