Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
| 2 dez 2016
Mozart partiu deste mundo no dia 5 de dezembro de 1791. Deixou incompleto seu Réquiem, encomenda que só passou a se dedicar em outubro, depois de completar a ópera "A Clemência de Tito". Neste mesmo mês foi estreada sua derradeira peça puramente instrumental, o "Concerto para clarinete". Essas três obras estão no último capítulo da nossa série dedicada ao gênio de Salzburgo, nos dias 9 e 10 de dezembro.
por Moacyr Laterza Filho *
É curioso que a missa mais famosa de Mozart, e uma das suas obras mais celebradas, não tenha sido totalmente composta por ele. Hoje, o mistério que a literatura (incluindo a História) soube pintar com muita tinta sobre o Requiem K. 626 está quase todo esclarecido. A história do Réquiem, embora romanesca, é simples: em julho de 1791, quando ainda trabalhava n’A Flauta Mágica, Mozart recebeu a encomenda de compor uma missa de réquiem. Uma vez composta, a obra deveria ser entregue a um emissário. O compositor estava livre para compô-la como bem entendesse, mas não deveria jamais procurar saber o nome de quem a encomendara. Após a morte de Mozart, soube-se que o autor da encomenda era o Conde de Walsegg sur Stuppach, que era um falsário: encomendava secretamente, pagando bom preço, obras que fazia executar como suas.
Antes de ir a Praga, para assistir ao doloroso fracasso da première de A Clemência de Tito, Mozart já havia começado a compor o Requiem. Pode-se concluir, portanto, que ele trabalhou nessa obra de forma intermitente, entre julho e novembro de 1791. Quando ele morreu, em cinco de dezembro, a obra ainda estava incompleta. Dois meses depois da sua morte, Constanze, sua viúva, remeteu ao emissário do conde de Walsegg a partitura completa de uma missa de réquiem. O fato é que, em dezembro de 1791, ela havia pedido ao mestre de capela Joseph Eybler, por quem Mozart tinha grande consideração, o favor de completá-la. Após algumas tentativas, Eybler desistiu da empresa. Aparentemente, Constanze recorreu a vários outros compositores antes de finalmente conferir a tarefa a Franz Xaver Süssmayr, discípulo de Mozart.
Depreende-se, de uma carta de Süssmayr aos editores Breitkopf & Härtel, datada de fevereiro de 1800, até onde vão os originais de Mozart: o Requiem e o Kyrie são integralmente de Mozart; das cinco primeiras partes da Sequentia, Mozart compôs as partes vocais, deixou o baixo cifrado e algumas diretrizes para a orquestração. As últimas partes da Sequentia também são de Mozart, até o oitavo compasso, onde se ouve “judicandus homo reus”; todo o resto é de Süssmayr. Mozart esboçou as duas partes do Ofertório, mas a orquestração é toda de Süssmayr. Sanctus, Benedictus e Agnus Dei foram compostos por Süssmayr, que afirma ter repetido a fuga do Kyrie na parte final para dar maior coesão à obra. Sabe-se, porém, que essa repetição teria sido determinada pelo próprio Mozart.
A orquestração do Requiem é um caso à parte: mesmo nos trechos orquestrados por Mozart, predominam os timbres escuros: não há oboés, flautas ou trompas, e a indicação original na parte dos clarinetes é para um par de cors de basset, da família dos clarinetes, mas com timbre um pouco mais grave.
A despeito da intervenção de Süssmayr, nota-se, porém, na estrutura da obra, uma organização claramente mozartiana: a divisão musical do texto, principalmente na Sequentia, com seus claros e grandes contrastes, mostra, para abordar uma mínima parte, o aspecto dramático que permeia a música de Mozart, em cada uma de suas inflexões e em cada elemento constitutivo.
A partir de 1970 foram feitas várias novas tentativas de se completarem os esboços do Requiem. A mais célebre, porém, a mais executada e a mais aceita é mesmo a versão de Süssmayr.
O ano da morte de Mozart foi um período de trabalho vário e árduo: além do Requiem, são de 1791 A Flauta Mágica e A Clemência de Tito, o Concerto para clarinete, a cantata maçônica O Elogio da Amizade K. 623, o moteto Ave Verum Corpus K. 618, além de alguma música ligeira. Essa capacidade de trabalho, mesmo em meio à adversidade pessoal e financeira, isso sim é um assombroso mistério!
A Clemência de Tito é uma opera seria, com libretto de Catterino Mazzolà (baseado em outro libreto, de Metastasio), que trata da vida de Tito, imperador romano. A despeito do fracasso que foi sua estreia em Praga, a seis de setembro, alcançou grande popularidade após a morte de Mozart. Sua abertura segue alguns padrões consagrados pela ópera clássica, em que os elementos temáticos que mais tarde tomarão lugar no drama já são insinuados, e elaborados, de forma a introduzir o perfil dramático do enredo.
No entanto, há que se destacar a semelhança entre os materiais e os tratamentos temáticos desta Abertura e os da última sinfonia do compositor. Coincidência ou não, o ouvinte familiarizado com a música de Mozart há de perceber claramente elementos do primeiro tema da Sinfonia nº 41, “Júpiter” K. 551 e certas modulações que aí são aspecto característico. Além disso, na forma, embora superficialmente ela se assemelhe muito a outras aberturas de Mozart, em profundidade nota-se uma aproximação com a forma sonata, o que por si só é fato raro na música dramática.
Já é conhecida a predileção de Mozart pelo clarinete, instrumento nascido no século XVIII. Para ele, Mozart fez duas obras definitivas: o quinteto, K. 581, e o concerto, K. 622.
Deste concerto não nos chegou nenhum manuscrito. A única pista de sua origem, além da sua primeira edição, feita depois da morte de Mozart, é um fragmento, na caligrafia de Mozart (K. 584b/621b), muito similar a um trecho do concerto para clarinete propriamente dito.
Composto para o notório clarinetista Anton Stadler, que o estreou em Praga, em outubro de 1791, esse concerto é a sua última obra puramente instrumental. Embora siga a forma e a estrutura do concerto clássico, é de se notar a delicadeza com que, aqui, o solista dialoga com o grupo orquestral. É dispensável dizer que Mozart explora, nessa obra, os recursos do instrumento. Mais importante seria ressaltar o lirismo do segundo movimento, em que Mozart faz cantar o clarinete como nunca antes e raramente depois! Para este concerto, Mozart não compôs as cadências. Isso não era fato raro no século XVIII, mas, via de regra, os concertos eram executados pelos próprios compositores. Deixando a cargo de Stadler as cadências, Mozart revela não apenas a confiança que depunha no executante, mas, numa visão moderna, abre as portas, mesmo no Classicismo, para as possibilidades de uma obra aberta.
* Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.
Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
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