Vers, l’arc-en-ciel, Palma

Toru Takemitsu

(Para violão, oboé d´amore e orquestra) (1984)

 

Instrumentação: 3 piccolos, 3 flautas, 3 oboés, corne inglês, requinta, 3 clarinetes, clarone, 3 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, percussão, celesta, 2 harpas, cordas.

 

“Primeiro compositor japonês a escrever para uma audiência mundial e alcançar reconhecimento internacional”, segundo Seiji Ozawa, Toru Takemitsu nasceu em Tóquio a 8 de outubro de 1930. Seu aprendizado formal interrompeu-se com a mobilização em 1944, quando foi enviado a um abrigo subterrâneo, experiência “extremamente amarga”. O país substituíra a música ocidental por canções patrióticas, mas um jovem militar introduziu secretamente um toca-discos improvisado no abrigo. A canção Parlez-moi d’amour, composta em 1924 por Jean Lenoir após uma briga com Mistinguett e gravada em 1930 por Lucienne Boyer, deixou-o atônito: “de súbito percebi pela primeira vez a qualidade esplêndida da música ocidental.” A ideologia do período de ocupação norte-americana ofereceu-lhe ampla oportunidade para cultivar o gosto pela música moderna da Europa e dos Estados Unidos: Gershwin, Debussy, Mahler. Aos dezesseis anos, a escuta de uma irradiação do Prelúdio, Coral e Fuga, de César Frank, levou-o a decidir-se pela composição: “No Japão, a palavra e o som são inseparáveis. Mas aqui eu ouvia um instrumento que era executado sozinho e despertava em mim sentimentos surpreendentes. Pareceu-me um canto de paz, uma prece ou uma aspiração, depois de ter vivido tanto sofrimento”. Autodidata envolvido em atividades coletivas, o sucesso chegou-lhe em 1959, quando, em visita ao Oriente, Stravinsky ouviu-lhe o Requiem para cordas, de 1957, e convidou-o para almoçar.

 

Vers, l’arc-en-ciel, Palma, para violão, oboé d’amore e orquestra, foi encomendada pela Fundação Feeney para a Sinfônica Municipal de Birmingham, que a estreou sob a regência de Simon Rattle em 2 de outubro de 1984 no Town Hall de Birmingham, com John Williams ao violão e Peter Walden no oboé d’amore. A obra constitui uma das homenagens do compositor a Juan Miró: “Fiquei profundamente fascinado por esse artista – tão pouco sofisticado e afetado, quase sugestivo do clima catalão. La filadora, uma canção folclórica catalã inserida na segunda metade da música, é minha resposta e meu preito de gratidão à ingenuidade inerente a Miró”. E ainda: “a peça é estruturada como um sonho” e os diferentes episódios, introduzidos pelo oboé d’amore, “abrem seu próprio caminho na escuridão rumo ao lusco-fusco matinal”.

 

Takemitsu encarna uma estética japonesa em sua recusa aos ritmos regulares, aos andamentos rápidos, às formas simétricas e aos blocos de som contrastados. Favorece fluxos lentos e orgânicos sugeridos pela meditação, pelo sonho, pela paisagem, pelo clima, pelos elementos e pelas estações. Uma de suas características é o ma, que geralmente se refere a intervalos no espaço ou no tempo, aqui entendido como o momento de mudança no qual dois mundos se encontram – por exemplo, quando o som se esvanece no silêncio. Esse intervalo não é um vazio, mas uma potência expressiva. Para Timothy Koozin, “é mais provável que se ouça o silêncio que surge ao fim dessa figura como resultado direto do evento sonoro precedente”. E “o momento de esperar pelo silêncio está imbuído de ma”.

 

Carlos Palombini
Musicólogo, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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