Michael TIPPETT
Instrumentação: 2 piccolos, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, piano, celesta e cordas.
Após um longo hiato de duzentos e cinquenta anos, a Inglaterra conheceu dois artistas nacionais dispostos a escreverem óperas e sinfonias: Benjamim Britten e Michael Tippett. Desde a ópera Dido e Eneias, do compositor barroco Henry Purcell, quase nenhum outro compositor inglês se atrevera a invadir o palco dominado pelas produções operísticas italianas, francesas e alemãs. De maneira geral, a música sinfônica inglesa ganhou fôlego somente na primeira metade do século XX – com Edward Elgar e seus seguidores Gustav Holst e Vaughan Williams – e se consagrou nos gênios rebeldes de Benjamin Britten e Michael Tippett.
Curiosamente, Britten e Tippett compartilham de muitas semelhanças históricas: ambos passaram a infância no condado rural de Suffolk, impregnando-se de uma paisagem de horizontes verdes e ondulados, e, durante a juventude, estudaram no Royal College of Music, em Londres. Outra característica, mais íntima, porém marcante em suas carreiras, foi a homossexualidade. Se Britten compôs várias obras vocais para seu parceiro Peter Pears, Tippett, em 1939, após uma crise amorosa, deu início a uma intensa análise junguiana que refletiu em suas obras. Logo, as teorias psicológicas de Jung uniram-se às suas crenças espiritualistas – no entanto agnósticas – e às suas inclinações socialistas, criando um universo de ideias refletidas na expressão individual de sua linguagem musical. Tippett considerava a vida como um processo infinito de desvelamentos dos aspectos claros e escuros da personalidade. Para tornar-se inteiro, deveria tomar consciência da natureza dividida de sua psique e reconciliá-la com o todo. Essa visão de mundo ecoa em sua primeira ópera, The Midsummer Marriage, uma espécie de A flauta mágica moderna, baseada na história de um casal de noivos e sua jornada para o autoconhecimento.
Quando terminava The Midsummer Marriage, em 1952, Tippett teve o insight para a concepção de sua Sinfonia nº 2, a qual concluiria somente cinco anos depois, em novembro de 1957. Escutando a gravação de um concerto de Vivaldi, viu-se mergulhado nos sons de um dó grave sendo obstinadamente repetido pelos violoncelos e contrabaixos: “aquela nota dó, martelada ao ouvido, assumiu um tipo de qualidade arquetípica que se pronunciava, e eu pensei: daqui devo começar”. A esse característico acompanhamento barroco Tippett fundiu seu próprio mundo, ampliando a textura sonora com a utilização do piano, da percussão e dos metais. Ele também buscou dilatar a estrutura harmônica, montando acordes a partir do empilhamento de intervalos de quinta.
Tippett, enquanto compunha outras obras, preparou sistematicamente a estrutura de sua Sinfonia nº 2 e iniciou a obra somente quando estava certo das formas de cada movimento. Para cada um deles esquematizou também quatro diferentes ambientes emocionais: “alegria, ternura, travessura e fantasia”. O enérgico Allegro vigoroso foi projetado nos moldes de um allegro di sonata, ou seja, uma usual forma sinfônica, caracterizada pelo desenvolvimento e reexposição do material inicial. O lirismo meditativo do Adagio molto e tranquillo, construído sobre a forma canção, e o bem-humorado scherzo sinfônico, Presto veloce, dão à obra uma relativa aproximação com a linguagem tradicional. O último movimento, Allegro moderato, é uma complexa fantasia em quatro partes interligadas, mas sem relação temática entre si. No final da última parte, o obstinado dó grave do primeiro movimento retorna e dá à obra o sentido de continuidade cíclica. Segundo Tippett, “quando o dó grave reaparece no final da sinfonia, temos a sensação de satisfação, de trabalho concluído”. Na partitura, anotou a seguinte indicação para o último acorde: “deixar vibrar no ar”.
A Sinfonia nº 2 foi estreada em fevereiro de 1958 pela Orquestra Sinfônica da Rádio da BBC de Londres, sob a batuta de Sir Adrian Boult. Era o concerto em comemoração aos dez anos do 3º Programa – programa radiofônico da BBC destinado à difusão da música sinfônica –, para o qual a obra fora encomendada. Tippett, que sempre trabalhava meditativamente, entregou a obra com um ano de atraso. Sir Adrian Boult, um maestro experiente, era, porém, conservador e inadequado para o trabalho. A estreia foi, notoriamente, um desastre: após alguns minutos, a flauta entrou um compasso antes, e as madeiras, um compasso depois. O maestro interrompeu a execução, ao vivo, e, reiniciando a obra, se desculpou: “o erro foi totalmente meu, senhoras e senhores”.
Michael Tippett foi um artista dotado de uma rara profundidade intelectual e consciência social, “um rebelde” – como gostava de dizer. Os três meses no quais esteve preso por recusar-se a se alistar durante a Segunda Guerra Mundial foram os momentos de maior orgulho em sua vida. “Se na música que escrevo posso criar um mundo sonoro que trará alívio para a vida interior, então estou fazendo meu trabalho corretamente”, disse Tippett. “Não posso perder a fé na humanidade.”
Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.