Sinfonia nº 96 em Ré maior, Hob. I:96, “Milagre”

Franz Joseph HAYDN

(1791)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

 

Na segunda metade do século XVIII, os gêneros musicais associados à forma sonata clássica, como a Sinfonia e o Quarteto de Cordas, chegaram à plena maturidade, sobretudo na obra de Haydn e Mozart. Sob esse aspecto, as 104 sinfonias de Haydn constituem um legado ímpar. Quando o repertório atual de concerto se volta para os primórdios do gênero, fixa-se inevitavelmente nas três sinfonias — Le matin, Le midi, Le soir — que ele compôs em 1761.

 

Essas pequenas sinfonias foram os primeiros trabalhos do músico para a poderosa família Esterházy, à qual serviu por quarenta anos. Confinado aos palácios de seus patrões, Haydn vivia em grande isolamento artístico. Por outro lado, tinha uma excelente orquestra à sua disposição, podendo assim testar imediatamente suas originais experiências musicais. Essas se estenderam por cerca de meio século – começam no estilo galante e culminam nos primórdios do Romantismo. Nas primeiras sinfonias, ele faz uma síntese brilhante do Barroco e do Classicismo. Aos poucos, toma diferentes orientações. De 1766 até 1774 (época do movimento romântico Sturm und Drang), sua obra adquire um tom mais subjetivo. E quando, em 1784, Haydn estabelece uma relação de amizade e admiração recíproca com Mozart, os dois gênios deixam-se influenciar mutuamente, apesar da grande diferença de idade e de temperamento.

 

Inevitavelmente, a fama de Haydn extrapolaria os domínios dos Esterházy. Com as duas longas viagens a Londres, realizadas entre 1791 e 1795, por conta do empresário e violinista Johan Peter Salomon, o compositor encontrou-se finalmente em contato direto com o grande público. O sucesso fenomenal dessas turnês marcou a história da música, pois Haydn, aos sessenta anos, aceitou o desafio de escrever música realmente nova – as doze sinfonias Salomon (números 93 a 104) possuem acentuado caráter experimental. A série de concertos teve início em 11 de março de 1791, nos Hanover Square Rooms, quando a Sinfonia nº 96 foi apresentada, causando grande entusiasmo (a cronologia das sinfonias londrinas não corresponde à sua numeração).

 

O primeiro movimento possui uma solene e lenta introdução em Adagio, seguida do brilhante Allegro baseado em motivo rítmico de três notas repetidas. No Andante, a participação dos trompetes e dos tímpanos possui grande efeito dramático. Em uma inusitada cadência, dois violinos solo reverenciam o gosto inglês pelo concerto grosso. Esse movimento foi bisado em sua estreia. O Minueto (Allegretto) lembra uma grandiosa marcha. Seu Trio, entretanto, é um característico Ländler vienense – apresentando o famoso solo de oboé acompanhado pelas cordas. Para o último movimento, Allegro assai, Haydn recomendava “pianíssimo e o mais rápido possível”. Trata-se de um Rondó, com destaque para a estrofe angustiada em tom menor e a seção somente para os sopros.

 

O curioso subtítulo Milagre foi atribuído a essa sinfonia pelo biógrafo Dies, referindo-se à queda de um pesado candelabro no teatro, durante sua primeira apresentação. Por milagre, ninguém ficou ferido.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

 

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