Sinfonia nº 9 em ré menor

Anton BRUCKNER

(1894)

Instrumentação: 3 flautas, 3 oboés, 3 clarinetes, 3 fagotes, contrafagote, 8 trompas, 4 tubas wagnerianas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, cordas.

 

Em novembro de 1894, após longos períodos de interrupção, Bruckner terminou o Adagio, terceiro movimento de sua última sinfonia, dedicada “ao amado Deus”. Doente, trabalhou ainda dois anos, sem conseguir concluir o Finale, deixado sob a forma de múltiplos rascunhos. Alguns compositores propuseram complementações para esse quarto movimento… O tempo, entretanto, consagrou a Sinfonia na forma tripartida, finalizando-a com o soberbo Adagio, repleto de misticismo. Bruckner sempre compôs “para a glória de Deus” e, sob esse aspecto, sua arte lembra a de Bach e antecede a de Messiaen. “Místico gótico extraviado no século XIX” (nas palavras de Wilhelm Furtwängler), Bruckner criou tanto a missa-sinfonia quanto a sinfonia religiosa.

 

Aos treze anos o compositor perdeu o pai e, na condição de órfão e cantor, foi admitido como aluno no deslumbrante mosteiro barroco de São Floriano, em meio a uma paisagem idílica e obras de arte estupendas dos séculos XVII e XVIII. Bruckner recordaria com carinho esses anos felizes – durante toda a vida permaneceu devotado e submisso aos ensinamentos religiosos dos monges que o educaram e nunca deixou de visitar com frequência o mosteiro, onde buscava serenidade espiritual para compor.

 

Escrita no mesmo tom da Nona de Beethoven e do Requiem de Mozart, a última sinfonia de Bruckner é seu testamento musical. Os blocos sonoros orquestrais, de colorações diferenciadas, se inspiram claramente na escrita para o órgão, instrumento sacro por excelência. O primeiro movimento, Feirlich, misterioso, possui três temas principais, antecedidos por longo prelúdio. Após amplo motivo anunciado por oito trompas em crescendo e diminuendo, o tema principal aparece em fortíssimos tutti de oitavas descendentes. O lírico e expressivo segundo tema, confiado inicialmente aos violinos em piano, desdobra-se em seguida no trompete. O terceiro motivo temático apresenta dois elementos – um em ré menor, o outro em Sol bemol maior. O desenvolvimento utiliza todo esse material temático em um contínuo crescendo. Na reexposição, os temas principais aparecem ordenados e, entregues aos metais, adquirem poderosa intensidade.

 

O belíssimo Scherzo tem caráter fantástico, vivo. Seu realismo sonoro o difere totalmente dos outros movimentos. A extravagância dos temas, as harmonias inesperadas e a aspereza tímbrica criam uma ambientação apocalíptica. Emoldurado por esse clima aterrador, o contrastante Trio central, lírico e pastoral, parece relembrar um passado para sempre perdido.

 

O Adagio, muito lento e solene, possui a estrutura de um rondó, apesar da exposição em forma sonata. Sentimentos penetrantes impulsionam os temas principais e as ideias secundárias, descortinando toda uma vida. As inúmeras citações de motivos provenientes de obras anteriores do compositor – missas e sinfonias – reforçam o clima de recordação e despedida. Após tantas reminiscências, o último tutti orquestral abre-se para a eternidade com exuberante sentimento de triunfo e êxtase místico – Dona nobis pacem.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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