Salomé, op. 54: Cena final

Richard STRAUSS

(1905)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, heckelphone, requinta, 4 clarinetes, clarone, 3 fagotes, contrafagote, 6 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tuba, tímpanos, percussão, celesta, órgão, 2 harpas, cordas.

 

Salomé é a terceira ópera de Richard Strauss, composta a partir da tradução alemã de Hedwig Lachmann da peça homônima de Oscar Wilde (1854-1900). A peça, escrita para Sarah Bernhardt, foi proibida na Inglaterra e França, por seu teor altamente explosivo. Sua estreia se deu, apenas, em 11 de fevereiro de 1896, no teatro da Comédie-Parisienne (atual Athénée Théâtre Louis-Jouvet), quando Wilde estava na prisão. Em novembro de 1902, quando Richard Strauss assistiu a uma apresentação da peça em Berlim, imediatamente percebeu suas possibilidades operísticas. Aproveitando a tradução de Lachmann, ele fez alguns cortes, estruturou a trama em um único ato com quatro cenas e centrou a história na figura de Salomé. A ópera foi composta entre 1903 e 1904, e a partitura completa foi finalizada em 20 de junho de 1905. A estreia se deu em 9 de dezembro de 1905, na Ópera de Dresden, sob a regência de Ernst von Schuch. A estreia foi um sucesso estrondoso, mas a crítica protestou violentamente, classificando-a de indecente, imoral e cacofônica. Assim como ocorreu com a peça teatral, a ópera foi banida de vários teatros, o que só fez aumentar o interesse do público. Em pouco tempo a ópera tornou-se um succès de scandale e fez do compositor um homem rico e internacionalmente famoso.

 

Baseada na narrativa bíblica, a ópera conta a história da atração fatal da jovem princesa Salomé por Jochanaan (João Batista). Jochanaan está preso em uma cisterna do palácio do rei Herodes por ter pregado a vinda do Messias e por ter acusado de incestuoso o casamento de Herodes com sua cunhada Herodíades, mãe de Salomé. Salomé pede aos guardas que lhe tragam o profeta. Fascinada com a presença dele, ela lhe implora por um beijo. Jochanaan a rejeita e amaldiçoa. Os guardas o levam de volta à cisterna. Herodes e Herodíades chegam, e o rei se encanta com a enteada. Herodes sugere a Salomé que dance para ele. Ela se recusa, mas finalmente aceita, uma vez que ele promete dar-lhe qualquer coisa que ela queira. Salomé dança, sedutoramente, a famosa Dança dos sete véus. Ao fim, pede a Herodes a cabeça de Jochanaan. Aterrorizado, o rei protesta, mas, persuadido pela esposa, acaba cedendo. O carrasco desce à cisterna e traz a cabeça do profeta em uma bandeja de prata. Nesse momento inicia-se a cena final, uma das cenas mais envolventes e arrepiantes de toda a história da ópera. Em êxtase, ela segura a cabeça e conversa como se ele ainda estivesse vivo: “Ah, você não me deixaria beijar sua boca, Jochanaan. Bem, eu vou beijá-la agora”. Todo o magnetismo de Strauss está presente nessas últimas páginas, de uma música mágica que sublinha a face íntima de cada personagem e desvenda as intenções por trás de cada ação. Um colorido orquestral fascinante e uma linha vocal das mais sublimes jamais escritas para a voz de soprano. Um papel dos mais difíceis, que exige uma técnica vocal suficientemente madura para se expressar com – e, às vezes, contra – uma orquestra monumental, em momentos de intenso prazer, fúria, sedução e doçura.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

anterior próximo