Sergei RACHMANINOV
Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.
Em “conversas” com Robert Craft, depois transformadas em livro, o compositor Igor Stravinsky dá um depoimento um tanto anedótico e no mínimo curioso sobre Rachmaninov: “Lembro-me das primeiras composições de Rachmaninov. Eram ‘aquarelas’, canções e peças para piano influenciadas por Tchaikovsky. Depois, aos vinte e quatro anos, voltou-se para a ‘pintura a óleo’, e tornou-se, na verdade, um compositor velho. Não se pensa, porém, que eu vá desprezá-lo por isso. Ele era, como já disse, um homem apavorante e, além do mais, há muitos outros para serem desprezados antes dele. […] E ele era o único pianista que jamais encontrei que não fazia caretas. Isto já é muito”.
Este depoimento, dado por um compositor engajado com as mudanças revolucionárias por que passa a música no século XX, traduz bem a figura de Rachmaninov no contexto musical contemporâneo: aos artistas criadores e aos musicólogos, em sua grande maioria, sua obra não causa entusiasmo ou desprezo. Por outro lado, aos intérpretes e ao público em geral, ela soa atraente e desafiadora… Por vezes, mesmo comovente. É certo que a linguagem de Rachmaninov parece ignorar os caminhos abertos por Debussy desde o final do século XIX e permanece ligada às formas tradicionais e às técnicas de composição herdadas do Romantismo. No entanto, ele foi, antes de tudo, um pianista. A parcela mais importante de sua obra, dedicada ao piano, o atesta. Essa ligação visceral com o seu instrumento o faz adotar uma estética ultrarromântica, que leva a graus exponenciais o tratamento pianístico, transcendendo (e às vezes superando, à sua maneira), inclusive, as grandes investidas de Liszt. À parte as pequenas peças para piano, nota-se esse “pianismo ultrarromântico” sobretudo em seus concertos para piano e na celebrada Rapsódia sobre um tema de Paganini, op. 43.
Composta em 1934, esta partitura foi estreada no mesmo ano em Baltimore, Estados Unidos, pela Orquestra da Filadélfia, sob a regência de Leopold Stokowski, tendo como solista o próprio compositor. Trata-se de uma obra concertante, para piano e orquestra, constituída de vinte e quatro variações sobre o tema do vigésimo quarto Capricho de Paganini (composto para violino solo). A figura mítica de Paganini, que ajudou a moldar a mentalidade romântica, transparece em suas obras, de grande dificuldade, cujo exemplo mais célebre são justamente os vinte e quatro Caprichos. De alguns deles, Schumann e Liszt fizeram transcrições para piano, e Brahms elaborou, com o tema principal do último, duas séries de variações para piano. É nessa mesma tradição romântica que Rachmaninov compõe sua Rapsódia, op. 43.
Na obra, notam-se três seções distintas: a primeira, fundamentada no tema original; a segunda, que começa a partir da sétima variação, é marcada pela exposição de um tema extraído de cantochão, que evoca um trecho do Dies Irae, da missa para os defuntos; a terceira, que começa com a décima terceira variação, se fundamenta na inversão do tema original. A obra termina, depois de um crescendo contínuo, com o retorno do tema original e do Dies Irae, antes expostos. A Rapsódia, op. 43, de Rachmaninov constitui amostragem clara de seu pianismo e de sua linguagem, merecendo, por isso mesmo, a atenção e entusiasmo de seus intérpretes e de seu público.
Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.