Wolfgang Amadeus MOZART
As árias de concerto para voz e acompanhamento orquestral constituem um capítulo importante e especialmente desconhecido da obra de Mozart. O compositor dedicou-se ao gênero desde a infância até o último ano de sua vida, deixando cerca de cinquenta títulos, entre os quais se encontram verdadeiras joias do canto lírico.
Quando criança, Mozart compôs várias árias (a primeira, aos oito anos, em Londres) que lhe serviam tanto para se aperfeiçoar no ofício como para exibir seu talento, pois a facilidade do menino para adaptar a música aos Affekte (amor, raiva, ciúme…) de um texto poético era surpreendente. Escreveu também licenze, árias intercaladas a apresentações operísticas, com texto de louvor a uma pessoa ilustre da plateia, como o arcebispo de Salzburg.
As árias de concerto cumpriam funções diversas. Muitas eram concebidas para inserção em óperas de outros compositores, quando a ária original se mostrasse inadequada ao conjunto da obra ou às possibilidades de um determinado intérprete. Mozart escreveu árias para óperas de Cimarosa, Anfossi, Paisiello e Bianchi. Dificilmente ouvidas, hoje, em seu contexto original, essas árias, além do seu valor musical intrínseco, permitem uma abordagem das atividades operísticas sob um aspecto fascinante. Mozart escreveu a ária Vorrei spiegarvi para a apresentação vienense da ópera O curioso indiscreto, de Pasquale Anfossi, em 1783, quando o papel de Clorinda seria interpretado por sua cunhada, Aloisia Weber Lange. A cantora julgou dois números de Anfossi aquém de seus recursos e solicitou ao cunhado substituí-los por outros que mostrassem todas as possibilidades de sua voz extensa e delicada. Vorrei spiegarvi é uma ária extremamente difícil, com notas muito agudas em piano e, perto do final, um célebre e enorme salto do grave para o agudo. Divide-se em duas partes bastante distintas, cada uma com duas estrofes: no Adagio, o primeiro violino (com surdina), o oboé e o soprano alternam-se em um diálogo comovente, sobre o acompanhamento das cordas em pizzicati. A segunda estrofe repete a primeira, mas tem sua cadência final modificada para introduzir o contrastante Allegro, no qual os violinos retiram a surdina.
Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, professor da Escola de Música da UEMG.