Maria Tudor: Abertura

Antônio Carlos Gomes

(1878)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

No dia 4 de janeiro de 1879 era publicada, no Rio de Janeiro, pela Casa Arthur Napoleão e Miguez, a primeira edição da Revista Musical e de Bellas Artes, periódico que se propunha suprir a falta de publicação especializada em música no Brasil. Em seus 27 primeiros números publicou-se em folhetim uma biografia de Carlos Gomes assinada por André Rebouças. À época, Carlos Gomes já era figura de destaque no cenário operístico internacional. Com Il Guarany (1870), Fosca (1873) e Maria Tudor (1878), Gomes tornou-se o compositor com o maior número de óperas estreadas no Alla Scala de Milão na década de 1870. Nesse mesmo decênio, sagrou-se o compositor de óperas italianas com o segundo maior número de representações naquele teatro, superado apenas por Verdi, sua principal influência na juventude.

 

No Brasil, Carlos Gomes alcançara fama ainda cedo devido ao sucesso de suas duas primeiras óperas, A Noite do Castelo (1861) e Joana de Flandres (1863). Ambas foram estreadas enquanto o jovem compositor cursava, no Rio de Janeiro, o Conservatório Imperial de Música, na classe de Gioachino Gianini e sob proteção de Francisco Manuel, fundador e diretor da instituição. Em 1864, uma bolsa de estudos do governo lhe permitiu dar continuidade aos seus estudos na Itália com Lauro Rossi, no Conservatório de Milão. Poucos anos após sua chegada, Carlos Gomes provava seu domínio pleno do estilo bel canto com as comédias musicais Se sa minga (1867) e Nella Luna (1868). Porém, foi a ópera Il Guarany, estreada em 19 de março de 1870, a responsável por inscrever seu nome, de modo indelével, na história da ópera italiana.

 

Inspirada no drama homônimo de Victor Hugo e com libreto de Emílio Praga, Maria Tudor foi estreada no teatro Alla Scala em 27 de março de 1879. O enredo se baseia na história da rainha Maria I da Inglaterra, conhecida como a sanguinária. Na ópera, Maria Tudor envolve-se amorosamente com o conde italiano Fabiani, que a trai com a órfã Giovanna, noiva de um tal Gilberto. O influente embaixador espanhol Don Gil, desafeto de Fabiani, ao descobrir a traição do conde, o denuncia à rainha que, enfurecida, manda executar Fabiani e Gilberto. Maria, porém, decide perdoar Gilberto. Mas, ao dar-se conta de que ainda ama Fabiani, pede a Don Gil que este execute não Fabiani, mas Gilberto em seu lugar. Don Gil, desobedecendo a rainha, acaba por executar Fabiani. Ao saber da morte de seu amante, a rainha desfalece numa cena final de profunda tristeza. Diferentemente das aberturas convencionais, que condensam em um pot-pourri os principais temas da ópera, a abertura de Maria Tudor concilia o tema da vingança, extraído do pezzo concertante do final do III ato, com os momentos líricos da marcha dos condenados do IV ato, através de um trabalho de desenvolvimento melódico. Carlos Gomes realiza, dessa maneira, uma obra sinfônica em que a ânsia de vingança inicial se transforma numa seção lírica, marcada pela compaixão e pelo amor. Segundo Victor Hugo, o drama pretende retratar “uma rainha que seja uma mulher. Grande como rainha. Verdadeira como mulher”.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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