Genoveva, op. 81: Abertura

Robert SCHUMANN

(1847/1848)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.

 

Durante boa parte de sua vida, Schumann compôs quase exclusivamente para piano e disso surgiram obras não apenas definitivas do repertório pianístico, mas fundamentais na história da música. Suas reais incursões pelo universo sinfônico não se deram senão tardiamente: sua primeira sinfonia data de 1841. É que a sombra de Beethoven ainda pairava sobre Schumann e seus contemporâneos. A ideia, inaugurada por Beethoven, de que o artista tinha a missão de deixar um legado para a posteridade fazia crescer, nos compositores que o sucederam, um senso de responsabilidade. Daí, ao menos em parte, a parcela modesta (em números) de obras sinfônicas de Schumann: apenas quatro sinfonias, um único concerto para piano, uma única ópera e algumas outras poucas obras.

 

A ideia de compor uma ópera começou a ser acalentada por Schumann ainda em 1842, e sua vontade era a de se basear em alguma lenda germânica. No entanto, uma severa crise de depressão o acomete e ele deixa de lado a empresa até 1844, quando ele e Clara, já casados, se estabelecem em Dresden. A partir daí, nascem as principais obras sinfônicas de Schumann, incluindo o Concerto em lá menor. Genoveva, sua única ópera, foi estreada em Leipzig, em 1850, conduzida pelo próprio compositor. A ideia inicial se manteve, apesar do desaconselhamento de Wagner sobre o libreto. O enredo é baseado na lenda medieval de Genoveva de Brabant, esposa do duque da Bavária, cuja vida já havia inspirado ao menos duas peças de teatro: uma de Ludwig Tieck (Vida e Morte de Santa Genoveva) e outra de Christian Friedrich Hebbel (Genoveva). Ambas as peças foram a base do libreto de Genoveva, escrito por Robert Reinick e pelo próprio Schumann.

 

A despeito das divergências entre Schumann e Wagner quanto ao libreto, na música de Genoveva eles são curiosamente coincidentes. De fato, sem nunca deixar de ser genuinamente Schumann, a música de Genoveva lembra de alguma forma o Lohengrin de Wagner, composto no mesmo período e estreado no mesmo ano que a ópera de Schumann. Em sua obra, Schumann parece encontrar na linguagem de Wagner um modelo eficiente, no drama musical, para se opor a Rossini, cuja música ele sempre combateu ferozmente. Assim, o fluxo musical contínuo, sem a interrupção dos recitativos, e a esparsa presença de passagens virtuosísticas para a voz (tão caras a Rossini e à linguagem italiana) alinham a ópera de Schumann com a tradição operística alemã que Weber inaugurou e que Wagner levou às últimas consequências.

 

A Abertura de Genoveva é um dado à parte. A capacidade de síntese (mais poesia que prosa) que Schumann sempre logrou atingir nas suas canções ou na sua obra para piano raramente transparece em sua obra sinfônica. A abertura de sua ópera é uma exceção a isso. A atmosfera sombria que abre a peça, tão próxima das atmosferas de Wagner, não é senão o início de uma narrativa completa, que diz, por si, o que tem que dizer. Heresias à parte, a Abertura de Genoveva é como os coros das tragédias gregas, que anunciam o porvir, sem, no entanto, interferir no enredo.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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