Elegia Heroica

Alfredo Casella

Alfredo Casella faz parte da hoje chamada “Geração dos anos 80”, juntamente com Ottorino Respighi, Franco Alfano, Gian Francesco Malipiero e Ildebrando Pizzetti. A generazione dell’ottanta é o termo utilizado para designar o grupo de compositores, nascidos por volta dos anos 1880, que dominaram a vida musical italiana entre as duas guerras mundiais, ou seja, o período imediatamente posterior à geração de Puccini (Puccini, Mascagni, Leoncavallo e Busoni) e anterior à geração de Dallapiccola (Dallapiccola, Petrassi, Cortese, Ghedini e Scelsi). Embora Casella tenha sido um dos mais inovadores compositores italianos do início do século XX, vem ocupando, entre seus contemporâneos, um lugar modesto na história da música contemporânea.

 

Casella entrou no Conservatório de Paris em 1896, aos 13 anos de idade. Foi aluno de Gabriel Fauré, colega de classe de George Enescu e amigo íntimo de Ravel e Alfred Cortot. Nos quase vinte anos em que viveu na capital francesa, foi amigo de Stravinsky e Manuel de Falla e conheceu Debussy, Busoni e outros grandes nomes da música. De volta à Itália, em 1915, lecionou piano no Liceo di Santa Cecilia (mais tarde renomeado Conservatorio di Santa Cecilia), em Roma. Fundou, em 1923, juntamente com Malipiero e Gabriele d’Annunzio, a Corporazione delle nuove musiche, associação destinada à difusão da música moderna italiana. Nos anos 1930 foi professor da classe de aperfeiçoamento de piano na Accademia Nazionale di Santa Cecilia e coordenador do Festival Internazionale di Musica Contemporanea di Venezia. Nos últimos anos de vida, como um dos responsáveis pela redescoberta de Vivaldi, participou ativamente da edição e difusão das obras do compositor barroco, bem como das obras de Bach, Mozart, Beethoven e Chopin. Deixou inúmeros escritos, dentre eles duas obras didáticas adotadas em todos os conservatórios de música do século XX: o célebre guia introdutório ao piano Il pianoforte e o manual de orquestração La tecnica dell’orchestra contemporanea, escrito em colaboração com Virgilio Mortari. Além de grande compositor, Alfredo Casella foi um pianista brilhante e regente apaixonado, dedicado professor, editor musical impecável e um incansável organizador cultural.

 

Composta em 1916, a Elegia eroica, alla memoria di um soldato morto in guerra faz parte da segunda fase composicional de Casella (1913-20), uma época em que ele já estava suficientemente maduro para conseguir mesclar as influências de Debussy, Stravinsky, Schoenberg e Bartók em um estilo extremamente pessoal. A Elegia Heróica contém, ao final, uma citação da canção popular Fratelli d’Italia, que mais tarde se tornaria o hino nacional italiano. Estreada em Roma em janeiro de 1917, em plena guerra, foi mal recebida pelo público que, curiosamente, acusou o compositor de anti-italiano. A obra tenta contar, através da música, os horrores da Primeira Guerra Mundial. O fracasso da estreia deixou Casella com um profundo sentimento de solidão: “o maior que eu jamais senti, antes ou depois”. Nas palavras do compositor, a Elegia Heroica consiste de “uma marcha fúnebre heroica; um episódio central profundamente triste e intimista; e, finalmente, uma saraivada de tiros que rasga a orquestra e se decompõe em uma canção de ninar que evoca a imagem de nosso país como uma mãe carinhosamente embalando seu filho morto”.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.

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