Dmitri Kabalevsky
Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, saxofone alto, 2 fagotes , contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tímpanos, percussão, harpa, cordas.
A música de Dmitri Kabalevsky é um legado para o futuro por diversas razões. A primeira, objetiva, diz respeito ao desconhecimento de centenas de obras suas, rigorosamente protegidas por direitos autorais. As demais razões, de cunho subjetivo, participam de um precipitado julgamento político, moral e estético: um sobre o compositor e seu envolvimento no movimento comunista soviético, outro sobre a necessária comunicabilidade de suas composições. Caberá também ao futuro uma acurada apreciação desse subestimado autor e de sua obra, ainda hoje tratados indistintamente e sem direito de defesa.
De 1920 até o final dos anos 1960, instaurou-se na União Soviética uma política artística que visava ao maior acesso do povo à arte, sofrendo esta, porém, muitas limitações. Os artistas, embora considerados por Stalin como “engenheiros de almas”, foram tolhidos na sua liberdade criativa. A arte, destituída de força argumentativa e contestadora, passou a ser mero instrumento do Partido Comunista. Proibida de expressar conteúdos complexos e trágicos, a arte deveria apenas retratar a revolução como responsável pela melhoria do nível de vida. O compositor Kabalevsky abraçou a causa comunista, ao contrário de outros compositores, censurados, exilados ou camuflados corajosamente sob a realidade opressora de seus censores. A ligação de Kabalevsky com o Partido Comunista Soviético foi o primeiro entrave para a assimilação de sua música por parte dos países capitalistas. No entanto, a discussão ética sobre a gênese de suas composições não pode ser confundida com suas composições per se, enquanto monumento artístico universal e atemporal. O uso de tonalidades diatônicas e contornos estruturais acessíveis sempre foram o estandarte da música de Kabalevsky, de forma que ele não sofreu nenhuma restrição ao seu estilo composicional. Mesmo quando faz uso de dissonâncias, sua música é atraente e espirituosa. Kabalevsky, premiado com três Prêmios Stalin e condecorado com a Ordem de Lenin, é lembrado em seu país pelas obras didáticas e por sua importante atuação na educação musical, sendo eleito chefe de conselhos e comissões de pedagogia musical.
O Concerto para violoncelo nº 2, op. 77, considerado uma das melhores criações de Kabalevsky, reflete uma rara faceta do compositor, quiçá mais condizente com uma personalidade até então encoberta pelo véu do realismo soviético. Estreado pelo excelente violoncelista russo Daniel Shafran, a quem foi dedicado, o Concerto é uma obra forte, de emoções diversas, profundas e sinceras. O início, como um rito processional, revela certa angústia e tensão. O violoncelo abruptamente interromperá o lamento com agitação e fúria. O segundo movimento, energicamente satírico, inicia-se com um tema dado pelo saxofone e imitado pelo violoncelo. Nesse excitante movimento, o autor brilha como um sagaz orquestrador. Um pequeno solo do violoncelo prepara o ambiente do terceiro movimento, um amálgama de expressões emotivas e de lutas, que se esvairão num reconfortante arpejo de dó maior.
Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.