Ludwig van BEETHOVEN
A primeira década do século XIX é testemunha da fase mais produtiva de Beethoven. Nesses anos, pontilhados de insucessos amorosos, em que a surdez que o acomete avança lenta e implacavelmente, Beethoven explode como gênio inteiramente original, adotando em definitivo (ao menos ideologicamente) uma atitude romântica face à vida e à arte. Obras determinantes da estética beethoveniana, constituintes de um marco definitivo na história da música, são geradas e estreadas nesse alvorecer dos oitocentos: as duas sonatas op. 27 (ambas denominadas, paradoxalmente, “quasi una fantasia”), o terceiro e o quarto concertos para piano e orquestra, a quinta e a sexta sinfonias, a Apassionata, a Sonata “a Kreutzer”, dentre muitas outras.
De fato, em 1808, Beethoven oferece a um assombrado público vienense um concerto extraordinário, que teve lugar no teatro An der Wien. O programa compreendia nada menos do que as primeiras audições da quinta e sexta sinfonias, do quarto concerto para piano e orquestra (tendo o próprio compositor como solista) e da Fantasia para Piano, Coro e Orquestra. O público se mostra relativamente apático, certamente por não reconhecer o gênero de prazer a que estava habituado. Essa reação do público demonstra claramente a adoção de uma nova postura estética em Beethoven, que o desvincula do continuísmo clássico e cria laços estreitos com a ideologia romântica, especialmente no que concerne ao direito quase revolucionário de uma expressão individual: a expressão de um gênio criador, consciente de sua missão diante de um status quo que precisa ser modificado.
A Sexta Sinfonia foi composta entre os anos de 1806 e 1808, mas já se encontram esboços dessa obra em blocos de notas que datam de 1802. O próprio título da sinfonia deu a Beethoven certo trabalho: pensou chamá-la inicialmente “Sinfonia Característica, ou Lembranças da Vida Campestre”. Imaginou depois chamá-la Sinfonia Pastorella, mas optou finalmente pelo nome que conhecemos hoje: Sinfonia Pastoral. Experiência única em Beethoven, o “conceito” dessa sinfonia funda-se no movimento de se tentar utilizar a música dita “pura” para se tentar expressar realidades e conteúdos extramusicais.
Não se deve, porém, associar esse conceito ao de música programática. A rigor, não há um texto ou um programa literário que explicite o desenrolar musical. A música da Pastoral não narra qualquer “história”. O próprio Beethoven afirma que “a descrição é inútil”, e faz estampar à testa da partitura a indicação de que a música, aí, era “mais expressão de sentimentos do que pintura”. Tal afirmação vincula Beethoven declarada e conscientemente à ideologia romântica e faz reconhecer que a arte musical só pode referir-se ao mundo enquanto existência sonora. As “impressões campestres” são, na Pastoral, impressões do próprio compositor, que as transfigura e elabora em realidades musicais. Não há, na Pastoral, descrição. Há, isso sim, evocações de impressões pessoais processadas e elaboradas conscientemente, e finalmente sublimadas em linguagem musical.
Moacyr Laterza Filho