Suíte para piano e orquestra

Heitor VILLA-LOBOS

“Nada é suficiente para se reverenciar a memória de Villa-Lobos”, escreveu o maestro e compositor Leonard Bernstein. Essa insuficiência torna-se evidente ao avaliarmos o fato de existirem obras do compositor brasileiro que nunca foram impressas e gravadas, como o caso da Suíte para Piano e Orquestra. A obra fora iniciada no Rio de Janeiro em 1911, a partir do terceiro movimento, e completada em 1913, ano do casamento de Heitor Villa-Lobos com Lucília Guimarães, uma jovem pianista recém-formada pelo Instituto Nacional de Música. Villa-Lobos, aos 26 anos, elegera sua dedicada esposa e abandonara a vida de cigano, mas ainda não se decidira entre o violão, instrumento naquele tempo marginalizado, e o violoncelo, menos vulgar e seu ganha-pão. Sua futura predileção pelo piano foi, certamente, influenciada pela figura da esposa, assim como o aprendizado da técnica pianística, destinada tanto à execução quanto à composição musical, habilidades para as quais ele sempre se denominara autodidata.

 

Embora tenha criado exclusivamente peças de curta duração para piano-solo – com exceção do Rudepoema, em homenagem ao pianista Arthur Rubinstein – Villa-Lobos dedicou quase metade de sua produção a obras que incluem aquele instrumento. A Suíte para piano e orquestra é fruto da primeira fase do autor, caracterizada pela busca da sua personalidade artística, e antecede em mais de trinta anos os seus Cinco Concertos para Piano. Segundo ele próprio, a obra fora baseada “no sincretismo e na influência étnica dos povos que contribuíram para a formação musical no Brasil”; daí as três partes dedicadas aos portugueses, espanhóis, italianos e nativos. A estreia da Suíte aconteceu em São Paulo, a 21 de abril de 1923, em um dos concertos que antecederam a ida do jovem Villa-Lobos à Europa, viagem realizada com o apoio de Arthur Rubinstein e Carlos Guinle em meados daquele ano. Na première da obra, a execução da parte solista do concerto ficou a cargo da primeira esposa de Villa-Lobos, Lucília, sob a regência do próprio compositor, frente à Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos. Ao partir para o velho continente, Villa-Lobos já era famoso na Argentina e no Brasil. Participara, como o único compositor, da Semana de Arte Moderna, na qual exibiu diversas obras para piano e conjuntos de câmara: “felizmente nós temos hoje a imprevista genialidade de Villa-Lobos”, congratulara-se Mário de Andrade à época. O sucesso de Villa-Lobos na Semana de 1922 fora estrondoso, tanto por sua música inovadora quanto por subir ao palco de casaca e chinelo devido a um pé machucado.

Dois anos antes de sua morte, Villa-Lobos assistiu à execução dos dois últimos movimentos da Suíte para piano em Paris, no Théâtre de la Maison Internationale, em um concerto realizado em comemoração aos seus setenta anos. Desde então esta obra se ausentara dos palcos do mundo. Infelizmente, o Villa-Lobos que retratou o Descobrimento do Brasil em traços sinfônicos não fora de todo descoberto pelo seu país. Se por um lado ele foi prolífico em sua produção musical, o que dificulta torná-la conhecida, por outro, deveríamos nos esforçar em trazê-la à tona e nos orgulhar de ostentá-la. Maior, então, o mérito do concerto desta noite, que promove a segunda execução integral da Suíte para piano e orquestra, 89 anos depois de sua estreia. A partitura da obra foi revisada pelo maestro Roberto Duarte.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela UFMG e professor na UEMG.

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