Daniel BINELLI
Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tímpanos, percussão, cordas.
Optando por timbres mais sombrios, um discurso introspectivo, sem abrir mão das harmonias modernas ou dos arroubos rítmicos, Astor Piazzolla retratou sua crise pessoal e seu desejo de transgressão na música de seu último grupo, o Sexteto Nuevo Tango. Reunido em 1989, o grupo contava com um violoncelo, uma guitarra elétrica, um contrabaixo, um piano, além de dois bandoneóns sob responsabilidade de Piazzolla e Daniel Binelli. Piazzolla falece em 1992 e Binelli torna-se, de certa forma, seu herdeiro, menos por direito do que por mérito. Antes da experiência no Sexteto, Binelli tinha sido arranjador e bandoneonista da orquestra de Osvaldo Pugliese. Don Osvaldo, el Nono, foi um emblemático músico de tango, e sua orquestra reunia os mais respeitados intérpretes do ramo.
Devido às turnês nacionais e internacionais da orquestra de Pugliese, além do contato direto com músicos tradicionais, Binelli absorvera o tango clássico sem restrições. Seu repertório revela um compositor que caminha por todos os estilos de tango, dos antigos aos modernos. No entanto, é segundo os princípios do nuevo tango que Binelli se expressa plenamente. Gênero criado por Piazzolla em 1955, o nuevo tango representava para o público argentino uma síntese musical, capaz tanto de conquistar a juventude embevecida pelo rock quanto de enfrentar a mesmice do tango, imutável por décadas. Assim, da síntese de gêneros musicais, Piazzolla fez surgir uma música pautada por um discurso mais livre, mais ousado, que explorasse a tensão entre as seções e o virtuosismo dos instrumentistas. O tango tradicional encontrava na canção o seu elemento condutor. O nuevo tango transfere para o instrumento a primazia da voz, fazendo os instrumentistas dialogarem através de passagens difíceis, desafiadoras e necessariamente envolventes.
Binelli, um dos principais responsáveis pela divulgação e continuação da obra de Piazzolla, é a escolha acertada da História: afinal, somente um grande virtuose, detentor de sólida formação estilística, poderia assumir um gênero musical tão diversificado. Considerado um dos maiores bandoneonistas do mundo, Binelli solou com as maiores orquestras da Europa e das Américas. Versátil, compôs para instrumento solo, música de câmara e orquestra, além de trilhas sonoras para filmes e espetáculos de dança. Gravou mais de cinquenta CDs, é diretor musical do inovador espetáculo Tango Metropolis e, em 1995, recebeu o Konex Prize como melhor instrumentista de tango.
A Suíte para harpa e orquestra foi comissionada pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Confesso admirador da sonoridade da harpa, Binelli buscou inspiração, para o tratamento solista desse instrumento, em Ravel e Ginastera, incorporando-os à linguagem do tango. Compôs o concerto em três movimentos, segundo a tradição do gênero. O primeiro movimento, Tango Inmortal, surge a partir de um tema bastante romântico. A orquestra, restrita às cordas, flauta e clarinete, é pensada para acomodá-los: tema e solista. No centro do movimento apresenta-se uma cadência aos moldes do nuevo tango e da forma clássica de concerto. O segundo movimento, Arpa Nocturna, mais livre, é um passeio pelo folclore argentino. O terceiro movimento, Milonga Porteña, abre-se com uma cadência, a orquestra expande-se e apresenta um ritmo característico de milonga que logo envolve o solista.
Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais.