Francesca da Rimini, op. 32

Piotr Ilitch TCHAIKOVSKY

Francesca, filha de Guido da Polenta, Senhor de Ravena, nasceu por volta de 1260. Partidário do Papa, Guido precisou se aliar a Malatesta da Verucchio, Senhor de Rimini, para expulsar os partidários do Sacro Império Romano-Germânico. Para selar a aliança entre as duas famílias, Guido deu sua jovem e bela filha de 15 anos em casamento ao filho mais velho de Malatesta, Giovanni, homem rude e feio. A lenda conta que os Malatesta, imaginando que Francesca poderia recusar o casamento, enviaram o irmão mais jovem de Giovanni, Paolo, o Belo, para realizar o enlace por procuração. Francesca teria visto Paolo pela janela e imaginara que seria seu esposo. Ao acordar em Rimini, quão surpresa ela deve ter ficado ao ver Giovanni ao seu lado. O casal teve uma filha e um filho: Concordia e Francesco.

 

Isso é tudo que sabemos de Francesca pelos documentos históricos. A continuação da história devemos a um contemporâneo seu, Dante Alighieri, que a encontra, juntamente com Paolo, no inferno (A Divina Comédia, Inferno, Canto 5). No segundo círculo do inferno, onde se encontram os que viveram uma vida de luxúria, uma tempestade de vento atormenta a todos, fazendo-os rodopiar no ar, sem descanso. Dante percebe que duas almas giram constantemente abraçadas e pergunta a Virgílio como fazer para conversar com elas. Virgílio lhe diz que espere passar perto mais uma vez e lhes dirija a palavra com amor. As duas almas param de girar e se aproximam. Francesca vem contar sua história. Diz que não há dor maior que recordar-se do tempo feliz, quando se está na miséria. Mas, como o poeta deseja sinceramente saber de sua história, ela conta que ambos se apaixonaram enquanto liam as histórias de Lancelot. Um belo dia, começaram a se observar. Dos olhares vieram os sorrisos e dos sorrisos, o primeiro beijo: “desse dia em diante não lemos mais”. Um dia, seu marido os surpreendeu e os matou violentamente. Francesca e Paolo continuaram juntos no inferno e, enquanto Francesca contava sua história, Paolo chorava copiosamente, ao ponto de Dante sentir tanta piedade de ambos que tombou como tomba um corpo morto.

 

Em agosto de 1876, Tchaikovsky, que já havia desejado transformar a história em uma ópera, escrevia de Paris ao irmão, dizendo estar “inflamado pelo desejo de escrever um poema sinfônico sobre a Francesca”. No início de outubro, de volta a Moscou, ele pôde, finalmente, se dedicar à obra. Em cinco semanas esta obra monumental de aproximadamente 25 minutos estava pronta. Sua estreia se deu em 9 de março de 1877, em Moscou, pela Sociedade Musical Russa, sob a regência de Nikolai Rubinstein.

 

Escrita em um único movimento, a peça inicia-se com a representação da descida de Dante ao inferno (Andante lugubre). Desta seção somos conduzidos à seção seguinte (Allegro vivo) que representa o momento em que Dante testemunha o fenômeno da tempestade de vento que faz as almas girarem. Francesca e Paolo param de girar e ela conta sua história (Andante cantabile non troppo). A seção dedicada a Francesca e suas memórias inicia-se com um belo solo de clarineta e apresenta algumas das mais belas melodias de Tchaikovsky. A tempestade de vento retorna (Allegro vivo), levando embora as duas almas, e a obra chega ao fim, de maneira forte e comovente.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.

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