Variações sinfônicas

José Antônio de ALMEIDA PRADO

(2005)

 

A produção do compositor santista é dividida, por especialistas, em quatro fases, precedidas pelas obras de infância: Nacionalista (1960-1965); Pós-Tonal (1965-1973); de Síntese (1974-1982); Pós-Moderna (1983-2010). Além de obras de livre inspiração, quatro temáticas são recorrentes em sua poética: a mística – ritos judaico-cristãos; a ecológica; a astrológica; e a afro-brasileira – religiões afro-brasileiras. As duas primeiras fases evocam seus professores. Seu nacionalismo gravita em torno de Camargo Guarnieri, com quem estudou entre 1960 e 1965, e remete a Osvaldo Lacerda e suas aulas de análise, harmonia e contraponto. O período pós-tonal decorre de seu contato com Gilberto Mendes e espelha seus anos europeus, de 1969 a 1973, época dos cursos com Nadia Boulanger, Annette Dieudonée e Olivier Messiaen, e dos Festivais de Darmstadt.

 

As fases seguintes são de plena maturidade. A fase de Síntese é o momento das Cartas Celestes. Voltando da França, Almeida Prado compõe o primeiro ciclo de Cartas Celestes, para piano, em 1974, por encomenda do Planetário do Ibirapuera de São Paulo. O autor radicaliza o trabalho com timbres que experimentou com Messiaen, desenvolvendo um “sistema de organização das ressonâncias”. Cria 24 acordes atonais nomeados segundo as 24 letras do alfabeto grego, cada uma associada a uma estrela, considerando luminosidade e grandeza. Ao espaço celeste faz equivaler um espaço sonoro ou, segundo o autor, “…a distância sonora entre dois acordes emitidos. As ressonâncias preencherão este Espaço. O próprio silêncio poderá ocupar um lugar no Espaço”. A partir daí, Almeida Prado cria um sistema batizado de transtonal que reúne o serial, o atonal e o tonal, “…aquilo que parece ser tonal, que tem ares de tonal, mas que não tem as regras do tonal; e o uso livre das ressonâncias, com alguns harmônicos usados de maneira consciente e outros como notas invasoras. Você os manipula como a uma escultura – eu esculpo o som dentro dessa lembrança de ressonância”. Uma das mais inovadoras técnicas de composição do século XX, os sistemas de ressonância e o transtonalismo das Cartas Celestes foram deixados de lado nos anos 1980, em favor das releituras, colagens e liberdades de sua última fase.

 

As Variações Sinfônicas são características desse momento final, definido pelo compositor como “fase de saturação de todos os mecanismos: astronômico, ecológico, afro etc.”. Para ele, trata-se de “total ausência de querer ser coerente, um assumir o incoerente”. É o momento em que declara não se privar mais das melodias com início, meio e fim, em que não há mais busca por uma estética definida ou estilo próprio; momento em que tudo cabe em suas composições; lança “uma estética Macunaíma, sem caráter definido”. Nesse contexto, as Variações Sinfônicas – encomenda do 36o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão – representam a conciliação. Nelas, o elemento abstrato e as ressonâncias das Cartas Celestes fundem-se a um certo tonalismo emocional e romântico, a um melodismo mais simples, acessível ao público. Compositor residente do Festival, Almeida Prado compôs um tema original de inspiração folclórica, seguido de dez variações. Nelas, o timbre, “rei” de sua música, e as ressonâncias se permitem ser atravessados por melodiosa referência ao passado, à tradição e à sua infância, em capítulo final de um sensível memorial de seu “livro de aprendizagem”.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais.

anterior próximo