Dmitri SHOSTAKOVICH
Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, requinta, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, piano, celesta, cordas.
Em 1932, o Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética lançou uma nova resolução de controle artístico, intitulada “Sobre a reestruturação das organizações literárias e artísticas”. Todas as obras de arte, a partir de então, deveriam conter a “descrição verdadeira e historicamente concreta da realidade, em seu desenvolvimento revolucionário”. Era, na prática, uma tentativa de fazer com que os artistas representassem a realidade de maneira extremamente otimista, como deveria ser na utopia socialista. Isso sem levar em consideração que, naquele momento, milhões de pessoas morriam de fome em toda a União Soviética. Os escritores foram os primeiros a se enquadrarem na resolução. Para os compositores, seriam necessários alguns anos para compreenderem como transpor a realidade utópica socialista para a música de concerto. O terror que se instaurou quatro anos mais tarde não era previsto por nenhum dos compositores, muito menos por Shostakovich.
Em 1935, sua ópera Lady Macbeth do distrito de Mtsensk havia atingido a marca de 180 apresentações em apenas dois anos. Ao passar por Moscou, vindo de uma turnê com o violoncelista Victor Kubatsky, Shostakovich resolvera assistir a uma apresentação. Era o dia 26 de janeiro de 1936, coincidentemente o dia escolhido por Stalin para conhecer a tão falada ópera. Shostakovich estranhou o fato de Stalin e demais membros da cúpula do Partido deixarem o teatro no intervalo entre o terceiro e quarto atos. Dois dias depois o Pravda publica um artigo anônimo intitulado “Caos, ao invés de música”, atacando a ópera como formalista, imoral, sem melodias e de extremo mau gosto. Na semana seguinte, Stalin foi ao Bolshoi assistir ao balé O córrego límpido, que Shostakovich compusera no ano anterior. Em 6 de fevereiro, mais um artigo no Pravda atacava sua música. Era o fim para Shostakovich: “dois ataques no Pravda em dez dias era demais para qualquer um. A partir daquele momento eu era rotulado como ‘inimigo do povo’, e não preciso explicar o que aquele rótulo significava naqueles dias”. Pelo menos ele era um compositor, e não um escritor. Os compositores eram considerados menos nocivos à sociedade. Os escritores, geralmente, eram mortos ou levados ao suicídio. Shostakovich acabou conseguindo uma segunda chance, aparentemente porque Stalin apreciava suas composições para o cinema. Ao que tudo indica, o líder soviético ainda o considerava capaz de compor obras que atingiam as grandes massas.
A resposta de Shostakovich aos ataques foi uma mudança drástica em seus planos. Mas tal mudança não ocorreu subitamente, pois na época dos ataques no Pravda ele terminava a sua Quarta Sinfonia; uma execução da obra poderia levar a consequências trágicas, já que era muito distante do classicismo heroico desejado pelo Comitê Central. Ao perceber o risco que corria, Shostakovich cancelou os ensaios e começou a compor uma nova sinfonia, mais em conformidade com as diretrizes do Partido. Assim surgiu a Sinfonia no 5, composta entre abril e julho de 1937. Sua estreia se deu em 21 de novembro de 1937, em Leningrado, pela Orquestra Filarmônica de Leningrado, sob a regência de Yevgeny Mravinsky. O imenso sucesso ajudou a reabilitação de Shostakovich e lhe possibilitou encontrar uma linguagem que lhe permitiria continuar a compor, com toda a força de seu talento, por mais 30 anos.
Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.