Sinfonia nº 2 em si menor

Alexander BORODIN

(1869/1876)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

Impulsionado pelos ideais do Romantismo, o movimento musical nacionalista russo conseguiu força decisiva por volta de 1862, com a formação do núcleo que fez história sob a denominação de Grupo dos Cinco. Curiosamente, todos os seus integrantes dedicaram-se de maneira muito irregular à música, mantendo, em maior ou menor grau, outras atividades profissionais.

 

Alexander Borodin, músico de inspiração requintada, sempre se considerou químico de profissão, ligado a célebres cientistas, como Mendeleiev. Daí o reduzido catálogo de sua obra musical. Interessante observar ter sido por seus feitos científicos — e não pelos musicais — que o governo soviético erigiu uma estátua em sua homenagem.

 

O folclore de colorido semioriental da região do Cáucaso marcou profundamente a sensibilidade do compositor que, desde criança, demonstrara grande interesse pela música. A amizade com Mussorgsky (músico originalíssimo, de inspiração intrinsecamente russa) e o casamento com a pianista Ekaterina Protopopova (grande intérprete de Chopin, Schumann e Liszt) foram fatores decisivos para o amadurecimento de seu estilo. Como cientista e músico, afeito às dualidades, Borodin soube conciliar em sua obra as tradições musicais da antiga Rússia com as contribuições do Romantismo ocidental. O processo conduziu-o a um resultado inteiramente novo. O reconhecimento internacional se impôs pelas mãos de Liszt, que, sempre atento às inovações e à revelação de talentos desconhecidos, dirigiu a Sinfonia nº 2 de Borodin em Baden-Baden, em 1880.

 

No primeiro movimento (Allegro), um vigoroso motivo inicial de apenas três compassos, em uníssono e de natureza cromática, serve de introdução. É, na realidade, a primeira parte do tema principal. A segunda parte, também de três compassos, aparece imediatamente no registro superior. O caráter russo desse motivo, fragmentário e facilmente divisível, permite que seus dois motivos constituintes dominem o movimento, parafraseados, fragmentados ou desenvolvidos em tessituras e ritmos diversos. O segundo tema, contrastante, apresenta melodia encantadora, baseada em uma escala de cinco notas. Esta frase lírica aparece primeiramente nos violoncelos e depois nas madeiras. Na sequência, os dois temas se alternam e formam um tecido sonoro de grande efeito. O motivo inicial será sempre o mais valorizado – no desenvolvimento, os trombones e a tuba o conduzem a uma espécie de stretto sobre uma longa nota dos metais; no final, três acordes fortíssimos o anunciam mais dilatado e prolongado.

 

O segundo movimento, Scherzo: Prestissimo, inicia-se com um acorde violento. O primeiro tema, com desenho ascendente, reaparece como refrão. Uma seção em Allegretto, na tonalidade de Ré maior, funciona como trio central: o oboé apresenta a melodia simples e melancólica que passará ao clarinete e à flauta, para depois ser amplamente proclamada pelas madeiras e cordas. Com seu toque oriental, essa melodia se extingue num agradável efeito de diluição sonora. Repete-se então o scherzo, mas com novos desenvolvimentos das ideias temáticas. O movimento termina com um longo acorde de clarinetes e trompas, que começa em piano e termina quase inaudível.

 

O Andante seguinte, terceiro movimento em Ré bemol maior, tem caráter rapsódico. O clarinete cria uma ambientação nostálgica para a trompa, que, acompanhada pela harpa, entoa longa melodia, bela e irregular em sua métrica. O colorido orquestral parece feito de mosaicos encantadores – nova e curta melodia se desenvolve pontilhada por elementos do tema principal, aos quais se acrescenta inesperado fragmento cromático de escala. Em súbito clímax da orquestra, a longa melodia do início se apresenta nas cordas. Depois do reaparecimento de vários fragmentos temáticos, o clarinete novamente anuncia a trompa que, como um eco longínquo, conclui o movimento.

 

No grande Allegro final, o primeiro tema é proclamado com todo brilho orquestral – primeiro em luminoso solo de flauta no registro agudo, sobre sons graves das cordas e timbales em pianissimo; depois, pelo clarinete e pelo oboé. Uma nota prolongada aparece ameaçadora nas trompas e, durante o desenrolar do movimento, Borodin permanece fiel ao processo de jogar com pequenos blocos melódicos independentes até construir um clímax. O segundo tema é anunciado por um solo de clarinete. Sua melodia cantabile é repetida pela flauta, pelo oboé e, finalmente, em toda a plenitude da orquestra. A Sinfonia termina com uma coda muito condensada, mas notável pela síntese dos temas principais. Toda a obra reflete o anseio teatral do autor e oferece numerosas semelhanças com trechos de sua ópera O Príncipe Igor, inspirada em lendas medievais russas. A animação fervilhante do quarto movimento evoca as danças e cânticos festivos de bravos guerreiros comemorando a vitória, junto ao tumulto da alegre multidão.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.

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