Edward ELGAR
Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, cordas.
Edward Elgar foi o primeiro compositor inglês moderno a garantir um lugar fixo no repertório sinfônico internacional, e sua obra foi decisiva para o renascimento da música britânica a partir dos últimos anos do reinado da rainha Vitória. Desde a morte de Purcell, em 1695, passaram-se quase dois séculos sem que a Inglaterra (que outrora tivera influentes músicos medievais e renascentistas) produzisse um compositor à altura de seus contemporâneos continentais. O império britânico, paralelamente ao seu desenvolvimento econômico, tornara-se grande importador de talentos, desenvolvendo suas manifestações musicais em torno, sobretudo, de compositores e empresários estrangeiros. Haendel, Haydn, Weber, Mendelssohn e Berlioz receberam na Inglaterra os merecidos aplausos que lhes foram, muitas vezes, recusados por seus compatriotas.
No século XIX, os ingleses consolidaram uma verdadeira “Civilização do Concerto”, com iniciativas sociais que viabilizavam o acesso da população à cultura musical. Os primeiros concertos populares foram criados em Londres e em Manchester (respectivamente sob a direção de um empresário francês e um regente alemão). Os Promenade Concerts tornaram-se uma tradição na vida musical britânica (atualmente sob o controle da BBC). E inúmeros corais populares, disseminados em cidades provincianas, se orgulhavam de seus festivais, alguns ainda hoje em vigor, organizados com cantores locais e a participação de solistas e orquestras convidados.
Edward Elgar foi fruto dessa efervescência cultural. Filho do organista da igreja de Worcester, nunca teve formação musical regular, mas, aos dezesseis anos já trabalhava como arranjador, violinista e regente no festival da cidade. O futuro compositor percorreria longo caminho até se livrar do estigma de músico de festivais. A consagração definitiva aconteceu em 1899, quando o célebre regente Hans Richter apresentou as Variações Enigma para um público entusiasmado. A partir dessa data, Elgar se tornaria o compositor mais agraciado da época eduardiana. Ele retomou a longa tradição inglesa dos oratórios, escreveu obras corais sobre temas nacionalistas e suas Marchas de Concerto para orquestra adquiriram o estatuto de hinos nacionais. Embora impregnado de tradição germânica (Brahms, Wagner, Richard Strauss), Elgar manteve-se original e soube reencontrar a sonoridade e o sentimento particulares à música inglesa. Sua imagem popular ainda é a do compositor que conseguiu expressar o orgulho e o patriotismo dos súditos da rainha Vitória e de Eduardo VII.
A Sinfonia nº 1 estreou em Manchester, em dezembro de 1908, sob a regência de Richter. A obra divide-se em quatro movimentos e seduz pelo senso formal e pela monumentalidade.
Uma longa introdução (Andante, nobilmente e semplice) apresenta um denso e sinuoso tema, tocado dolce nas madeiras e nas violas, depois em tutti. Essa melodia coral, frequentemente colocada em evidência, como um lema recorrente de autoafirmação (Lá bemol maior) servirá de motivo condutor para toda a sinfonia. Com mudança para ré menor, o Allegro inicia seu tema sinuoso, impregnado de cromatismo. Esse episódio doloroso é respondido por novo motivo (Fá maior) em lírico desenho descendente. O desenvolvimento é impetuoso. No final da reexposição, o lema condutor da introdução retorna como tema principal e o movimento termina majestoso e sereno, lógico e completamente satisfatório.
O segundo movimento, Allegro molto, em fá sustenido menor, tem o espírito de um scherzo, com o desenrolar rápido das semicolcheias iniciais. A seção contrastante tem caráter nostálgico e bucólico. No episódio conclusivo, as rápidas semicolcheias do início apresentam-se mais largas como semínimas e, sem interrupção, dissolvem-se no terceiro movimento.
A terna melodia inicial do magnífico Adagio é constituída pelas mesmas notas com que o fogoso e caótico scherzo começara. As durações são diferentes e o contraste das emoções que elas despertam é completo.
O finale começa com uma introdução (Lento) misteriosa e tensa. Fragmentos de temas, aos poucos, tomam consistência. Quando o tempo torna-se Allegro reiniciam-se as lutas do primeiro movimento de forma implacável. Só depois de decorridos três quartos do andamento chega-se à tônica Lá bemol. E a obra culmina com o retorno triunfal do tema condutor, ornado e enriquecido com suntuosa orquestração.
O ritmo de produção do compositor tornou-se bem mais lento depois da Primeira Guerra Mundial. Sua crença no progresso e na boa convivência entre os homens estava abalada. A Inglaterra não era mais aquela que ele celebrara e recolocara no cenário musical internacional. Elgar voltou-se para uma nova direção, dedicando-se à música de câmara (a Sonata para piano e violino, o Quarteto de cordas, o Quinteto para piano e cordas) e ao Concerto para violoncelo. Essas obras do chamado Período Outonal mostram-se austeras, despojadas, repletas de tristeza e ternura. O compositor passou seus últimos quinze anos num silêncio quase total.
Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.