Sinfonia em Dó maior

Paul Dukas

(1895/1896)

Instrumentação: Piccolo, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos e cordas.

 

Paul Dukas foi amigo e condiscípulo de Debussy no Conservatório de Paris. Homem de excepcional cultura musical, literária e filosófica, consagrou grande parte de sua vida ao ensino. Seus muitos alunos (entre outros, Manuel de Falla e Olivier Messiaen) permaneceram todos fiéis admiradores do grande mestre, mesmo quando divididos pelas diferentes tendências estéticas da música francesa moderna. Crítico esclarecido, cuja vultosa produção ainda se conserva atual, Dukas foi também revisor da obra de Rameau e Beethoven, músicos que tomou como modelos, respectivamente pela clareza da linguagem e pela solidez formal.

 

Em maio de 1897, a estreia do poema sinfônico Aprendiz de Feiticeiro alcançou enorme êxito – popularidade merecida e confirmada mais recentemente pela reedição de um episódio do filme Fantasia, de Walt Disney. Paradoxalmente, entretanto, tamanho sucesso dificultou a recepção do restante de sua produção: Paul Dukas continua lembrado apenas por essa única obra-prima e como o principal crítico defensor de Debussy. Epíteto injusto, pois os outros títulos do seu catálogo impressionam pela alta qualidade. Uma autocrítica impiedosa, quase paralisante, levou-o a guardar ou destruir a maior parte de suas composições. As obras publicadas, frutos raros de prolongada meditação, são profundamente representativas do espírito francês, estruturadas com lógica cartesiana e notável clareza de orquestração.

 

Inicialmente, Dukas deixou-se influenciar por Liszt, Wagner e César Franck – mas sua linguagem musical possui uma sensibilidade muito individual. A wagneriana Abertura Polyeucte, de 1892, já apresenta essa originalidade inconfundível e foi saudada como uma versão francesa do prelúdio de Tristão e Isolda.

 

Por ocasião da polêmica suscitada pela estreia da ópera Pelléas et Mélisande de Debussy, Dukas decidiu-se pelas novas tendências que procuravam impor-se na música francesa. Sua ópera Ariane et Barbe-Bleue, estreada em 1907, associa-se inevitavelmente à do amigo, até pela proximidade cronológica e pela coincidência do autor do libreto, Maurice Maeterlinck.

 

O bailado La Péri, contemporâneo do Daphnis et Chloé de Ravel, foi, como este, encomendado por Diaghilev para os Balés Russos. Na verdade, trata-se de um vasto poema sinfônico que admite coreografia e tornou-se uma das partituras mais representativas de Dukas, sobretudo pelo encanto magistral de sua orquestração.

 

Duas longas obras para piano, a Sonata em mi menor e as Variações, interlúdio e final sobre um tema de Rameau, possuem grande virtuosidade de escrita e constituem um marco na literatura francesa do instrumento. Ainda para piano solo, Dukas deixou um Prelúdio elegíaco e uma homenagem póstuma a Debussy, com o significativo título de Pranto do Fauno, ao longe.

 

A Sinfonia em Dó maior estreou em janeiro de 1897 – pouco antes de Aprendiz de Feiticeiro –, e a acolhida foi bastante fria. É curioso observar que a causa da resistência inicial da crítica e do público tornou-se o que agora mais se elogia na obra, ou seja, sua complexidade estrutural. Essa Sinfonia constitui a grande contribuição de Dukas para o movimento de redescoberta da tradição sinfônica francesa, interesse comum a vários compositores da época. Antes dele, Saint-Saëns, Lalo, d’Indy, César Franck e Chausson haviam iniciado a recuperação do gênero, cujo ponto de referência francês remontava, evidentemente, à Sinfonia Fantástica, de Berlioz, de 1830.

 

A Sinfonia em Dó maior tem divisão ternária – dois movimentos vivos enquadram o andamento lento. No Allegro non troppo vivace, ma con fuoco, o primeiro tema é exposto nos violinos, transparente e decidido. As cordas também apresentam, sobre um rallentando, o segundo motivo, mais melódico (espressivo) e melancólico, em tonalidade menor. A exposição temática se encerra com um terceiro elemento, em fortíssimo, dos metais. O desenvolvimento utiliza engenhosas variações desses temas até que um poderoso crescendo orquestral conduz à reexposição. A Coda primeiramente oculta os elementos temáticos sob a ambientação misteriosa de longínquas trompas, para depois os revelar na plenitude luminosa das madeiras agudas e dos metais.

 

No Andante espressivo e sostenuto os primeiros violinos, acompanhados pelas violas, apresentam o melancólico primeiro tema, sobre um suave movimento das trompas. Nas flautas e clarinetes, com um motivo mais rítmico e límpido, surge o segundo tema. Um desenvolvimento bastante conciso, enriquecido por ideias secundárias, antecede a reexposição, e esse magnífico Andante termina impregnado de bucólica poesia.

 

O Allegro spirituoso final é um rondó com seu estribilho enérgico e ritmado, apresentado primeiramente pelos fagotes, trompas e violoncelos. Após o segundo motivo, confiado aos violinos em andamento mais calmo, o estribilho retorna enriquecido pelos metais. O terceiro motivo aparece, então, mais longo e muito modulante. O estribilho agora reaparece com o peso da orquestra completa. A longa Coda sobrepõe os elementos temáticos anteriores e, com crescente entusiasmo, chega à brilhante conclusão.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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