Jean SIBELIUS
Jean Sibelius estudou, desde cedo, piano, violino e composição. Aos vinte e quatro anos, ao perceber que não possuía nem o conhecimento técnico suficiente para se tornar um violinista de renome, nem o temperamento para suportar uma carreira de concertista, resolveu concentrar-se na composição. Mas em Helsinque, no final do século XIX, a vida não era fácil para um jovem compositor desconhecido. Embora suas primeiras composições fossem de altíssimo nível, não conseguiam atrair a atenção do público. A sorte só começaria a mudar dez anos mais tarde, em 1898, quando ele finalmente assinou um contrato com a editora alemã Breitkopf & Härtel. O próximo passo seria a composição de uma obra sinfônica de grande escala, que ajudaria a firmar seu nome no cenário local e internacional. Sua Primeira Sinfonia começou a ser composta em abril de 1898. Em janeiro do ano seguinte, Sibelius mudava-se da capital para a pequena cidade de Kerava, a fim de ter mais tempo para compor. Enquanto trabalhava na sua Sinfonia, o czar Nicolau II expediu o “Manifesto de fevereiro de 1899”, restringindo a autonomia de todas as nações do Império Russo, incluindo a Finlândia. Indignado com a nova situação de seu país, Sibelius compôs uma canção de protesto, intitulada Canção dos Atenienses. A Sinfonia nº 1 e a Canção dos Atenienses foram estreadas no mesmo concerto, em Helsinque, no dia 26 de abril de 1899, pela Sociedade Filarmônica de Helsinque, sob a regência do compositor. O concerto teve grande sucesso e Sibelius foi alçado à condição de uma das principais figuras da resistência finlandesa. Nascia um herói nacional.
Sibelius revisou a Sinfonia no ano seguinte. A versão que hoje conhecemos é de 1900 e foi estreada em Estocolmo no dia 4 de julho do mesmo ano, também pela Sociedade Filarmônica de Helsinque, sob a regência de Robert Kajanus, amigo do compositor. Em turnê pelas principais capitais europeias, Kajanus foi responsável pelo sucesso da Sinfonia fora da Finlândia e pelo consequente reconhecimento internacional do compositor.
Na Sinfonia nº 1 já podemos vislumbrar aquelas que se tornariam as “marcas registradas” de Sibelius: as atmosferas misteriosas que nos remetem às terras geladas da Finlândia, os contrastes súbitos onde seções calmas são inesperadamente seguidas por momentos de extremo vigor e uma paleta orquestral extremamente pessoal. O primeiro movimento inicia-se com uma enigmática melodia no clarinete, acompanhada por leve trêmulo no tímpano. O clarinete termina sozinho sua melodia e dá lugar ao primeiro tema, nas cordas – um tema vigoroso que contamina toda a orquestra (Allegro energico). O segundo tema surge delicadamente nas madeiras, acompanhadas pela harpa e cordas. Ambos os temas são embaralhados e modificados até o final imponente dos metais.
O segundo movimento inicia-se com uma doce melodia tocada pelos violinos e violoncelos, com surdina. Assim como no primeiro movimento, aqui também Sibelius brinca com os contrastes de andamento e caráter. O fagote inicia melodia que desencadeará uma série de imitações nas madeiras (un poco meno andante). Quando o andamento do início é retomado (Tempo I), surge nas trompas breve variação do segundo tema do primeiro movimento. Logo depois, o primeiro tema do segundo movimento é reapresentado, cada vez mais exuberante, nos conduzindo a uma agitada seção conclusiva (al doppio movimento del Tempo I). Quando já acreditamos que o movimento terminará de forma grandiosa, eis que o restabelecimento do andamento inicial e nova aparição do primeiro tema (nos violinos e violoncelos) nos conduzem à atmosfera do início.
O terceiro movimento é um Scherzo, como esperado. Desde o dia em que Beethoven substituiu o tradicional Minueto por um Scherzo, os compositores têm adotado frequentemente a mesma prática sinfônica. De fato, o Scherzo parece prestar-se mais a transformações de caráter que o tradicional Minueto. O Scherzo (Allegro) da Sinfonia nº 1 é, ao mesmo tempo, alegre e vigoroso, e tem um colorido que nos remete às sinfonias de Tchaikovsky. O Trio (Lento, ma non troppo), com suas longas notas nos sopros e seu andamento lento, apresenta um dramático contraste com a primeira parte do movimento. A volta do Scherzo (Tempo I) é súbita e nos conduz ao final mais vivo de todos os movimentos da Sinfonia.
O subtítulo do quarto movimento (Quasi una fantasia) nos mostra o quanto o compositor desejava ver-se livre para nos presentear com as mais delirantes modificações de andamento que sua inspiração lhe proporcionava. O movimento inicia-se com o tema do clarinete do início da Sinfonia, desta vez tocado nas cordas em fortissimo (Andante). Atingimos uma seção agitada tão logo um curto fragmento melódico, inicialmente executado pelos clarinetes e fagotes, contamina toda a orquestra (Allegro molto). Aos poucos somos levados à seção central, onde os violinos, acompanhados por sopros e harpa, executam o tema principal desse movimento: uma melodia de extrema beleza, no registro grave (Andante assai). A seção agitada é retomada (Allegro molto come prima) e atingimos o primeiro clímax do andamento para, logo em seguida (Andante, ma non troppo), ouvirmos novamente o tema principal, inicialmente com o clarinete, como uma lembrança da atmosfera do início da Sinfonia. Em seguida, um tutti orquestral de rara beleza reapresenta o tema principal. Uma breve coda nos conduz ao final majestoso.
Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.