Richard STRAUSS
(1897/1898)
Instrumentação: Piccolo, 3 flautas, 4 oboés, corne inglês, requinta, 2 clarinetes, clarone, 3 fagotes, contrafagote, 8 trompas, 5 trompetes, 3 trombones, tuba, tuba tenor, tímpanos, percussão, 2 harpas, cordas.
Primeira apresentação com a Filarmônica: 17 de julho de 2012 | Fabio Mechetti, regente
Entre 1886 e 1898, Richard Strauss compôs aquilo que muitos iriam considerar as suas obras-primas. Levando às últimas consequências as potencialidades e a complexidade do poema sinfônico, a cada nova obra Strauss encanta e assombra tanto o público quanto o meio musical. Till Eulenspiegel, por exemplo, impressiona, de um lado, Bruckner (que, gravemente doente, faz questão de ser levado duas vezes ao teatro para ouvi-lo) e, de outro, Debussy, que não esconde seu entusiasmo. São claros o modelo wagneriano, a origem em Liszt e a herança de Brahms nessas cerca de sete obras, compostas em pouco mais de uma década. No entanto, a maestria e a audácia do tratamento formal, das técnicas de orquestração e das construções melódicas vão para muito além de suas fontes. Sem abandonar as raízes românticas, Strauss elabora uma linguagem verdadeiramente moderna, dotada de tamanha originalidade que, se não precursora, pode mesmo ser situada (apesar das divergências cronológicas) no contexto do século XX.
Composta em 1898, Uma vida de herói é a última das obras desse período de grande fertilidade sinfônica na carreira de Strauss. A partir daí, sua produção direciona-se principalmente para a ópera, fazendo surgir novas obras-primas: Salomé, O Cavaleiro da Rosa (obra de rara genialidade) e Arabella, dentre tantas outras. Outras obras sinfônicas também surgem, mas em número bem menor: A Sinfonia Doméstica e a Sinfonia Alpina, por exemplo. É, portanto, em pleno amadurecimento do gênero a que se dedicou por mais de uma década, e depois de ter composto sua primeira ópera (Guntram, escrita em 1894), que Strauss fecha o ciclo de seus grandes poemas sinfônicos.
Se em obras anteriores o motivo literário possa ser percebido em certas evocações musicais – seja em aspectos narrativos, seja em aspectos psicológicos das personagens –, em Uma vida de herói isso é significativamente menos evidente e menos importante. Aqui Strauss parece levar a termo e a cabo o papel de mero pretexto do motivo literário, em razão de colocar soberanamente em primeiro plano a realidade sonora da construção musical. Em seu aspecto formal, Strauss faz emprego, em Uma vida de herói, da técnica wagneriana do leitmotif. No entanto, esse artifício tem menos o papel de introduzir em cena a presença da personagem, e muito mais a função de elemento de unidade, linha que costura uma estrutura híbrida de rondó e forma sonata, alargada e elevada a dimensões exponenciais.
Estreada em Frankfurt, sob a regência do compositor, em 1899, Uma vida de herói marca definitivamente a entrada de Strauss na aurora do século XX, já ensaiada por suas investidas anteriores, genialmente bem-sucedidas. Se com Dom Quixote e, principalmente, Till Eulenspiegel, Strauss demonstra amadurecimento e maestria na consolidação de sua linguagem, enraizada no Romantismo, mas prodigamente ramificada pelo século XX, em Uma vida de herói ele afirma e endossa um posicionamento musical que extrapola suas fontes românticas e abre caminho para novas possibilidades, que culminarão em obras como Salomé e O Cavaleiro da Rosa.
Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.