Quatro últimas canções

Richard STRAUSS

(1948)

Instrumentação: 2 piccolos, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 3 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, harpa, celesta, cordas.

 

Poucos compositores têm seus nomes tão intimamente ligados ao universo sinfônico como Richard Strauss. Desde Beethoven, que se tornou, para o século XIX (e mesmo depois), o grande modelo – e, com isso, a grande meta a ser considerada, explorada, expandida e transcendida –, a música sinfônica assume a importância de um grande feito entre os músicos criadores. Não obstante isso, ela continua dividindo seu lugar, nos processos criativos, com a música de câmara, com as obras para piano, com as canções e com outros gêneros de menor envergadura. Assim, há alguns compositores cuja obra sinfônica, posto que importante, ocupa um lugar relativamente secundário se colocada ao lado de outros gêneros a que esses compositores também se dedicaram: é o caso, por exemplo, de Schubert, para não citar o caso extremo de Chopin. Outros compositores têm, no universo sinfônico, apenas um grande instrumental para a ópera. Seus trechos instrumentais, ainda que por vezes possam ser relativamente autônomos, sempre estão ligados a contextos maiores: é o caso de Verdi, por exemplo, e de Wagner.

 

Caso inverso é o de Richard Strauss. Embora tenha se dedicado à música vocal, a obras para piano e à música de câmara, é no universo orquestral – música sinfônica e óperas – que Strauss encontra seu meio mais eficaz de criação e expressão. Dessa forma, mesmo algumas obras que têm claramente certa concepção camerística, ainda assim sabem à sonoridade sinfônica. Veja-se, por exemplo, a Serenata em mi bemol para treze instrumentos de sopro. Composta quando Strauss contava com somente dezessete anos, essa obra prenuncia, por um lado, o grande melodista que mais tarde se revelaria em O cavaleiro da rosa. Por outro lado, mostra um trabalho de releitura de obras similares, já ensaiadas antes por Mozart, Beethoven e mesmo Brahms, agora extraídas de seu ambiente camerístico e realocadas em um novo contexto, bem mais próximo do modelo sinfônico.

 

Observa-se também esse processo de “realocação” nas canções de Richard Strauss. São quase cento e cinquenta Lieder com acompanhamento de piano e cerca de quinze com orquestra. Embora Beethoven e mesmo Mozart já tivessem se dedicado ao gênero, o grande paradigma da canção na tradição musical germânica foi indubitavelmente Franz Schubert. É de se mencionar, com isso, que o piano, nas suas canções, tem uma função expressiva bem mais significativa do que a de mero acompanhamento e estabelece uma relação dialógica seja com o texto poético, seja com o “texto” melódico. Nessa esteira também estão as canções de Hugo Wolf, apenas quatro anos mais velho que Richard Strauss. No entanto, Wolf, Strauss e, com eles, Gustav Mahler, todos nascidos na mesma década de 1860, viram, nesse trabalho expressivo do piano, uma possibilidade até então insuspeita de deslocar, para o universo sinfônico, o gênero das canções. Não se trata em absoluto, porém, de uma adaptação do Lied “genuíno”, por assim dizer, mascarando-o em feições operísticas, como seria de se imaginar. Trata-se, mais uma vez, de uma espécie de movimento de “realocação”, que renova o gênero da canção e ao mesmo tempo amplia as possibilidades formais do repertório sinfônico.

 

As Quatro últimas canções de Richard Strauss foram compostas em 1948, um ano antes de sua morte, sobre textos de Hermann Hesse e Joseph von Eichendorff (cujos poemas Wolf também utilizou em suas canções). Elas foram estreadas postumamente, em 1950, no Royal Albert Hall, em Londres, cantadas pela soprano norueguesa Kirsten Flagstad, acompanhada da orquestra Philharmonia, regida por Furtwängler.

 

Não é certo que Strauss as tenha concebido como um pequeno ciclo – ele sequer determinou a sequência de sua execução: a primeira delas a ser composta (Im Abendrot) foi a última a ser executada na première –, mas todas as canções abordam metaforicamente, de uma forma ou de outra, o tema da morte, e são tradicionalmente executadas como um conjunto. É de se notar que, em Im Abendrot, Strauss cita a si próprio, retomando um motivo já exposto em Morte e Transfiguração, poema sinfônico composto cerca de sessenta anos antes. Mas as Quatro últimas canções de Strauss falam por si só: são a assinatura final que legou à História esse grande bávaro.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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