Francis POULENC
Instrumentação: Picollo, flauta, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, 1 tuba, percussão, cordas.
Em 16 de janeiro de 1920, o hebdomadário parisiense Comœdia publicou uma resenha de Henri Collet sobre um concerto coletivo de Louis Durey, Arthur Honegger, Darius Milhaud, Germaine Tailleferre, Georges Auric e Francis Poulenc. Numa analogia aos nacionalistas russos do Grupo dos Cinco, Collet batizou de Les Six (Os Seis) o grupo de jovens compositores que, embora donos de linguagens muito diferentes, gravitavam em torno dos ideais apregoados por Jean Cocteau em O galo e o arlequim (1918). Inspirado por Erik Satie, Cocteau propunha que a música francesa deveria desapegar-se da arte alemã, do wagnerianismo e de Debussy, a fim de, com humor e engenhosidade, dar vazão às idiossincrasias e vicissitudes do cotidiano. O triunfo do Grupo, e em especial de suas figuras mais populares, Milhaud e Poulenc, residiria sobretudo na promoção de uma musica de caráter irônico, na contramão da grandiloquência e seriedade do repertório de outrora.
Poulenc dividiu-se desde jovem entre a carreira de intérprete e a de compositor. Estudou piano com Ricardo Viñes, artista responsável pela estreia de algumas de suas obras de juventude e por apresentá-lo a Auric, Satie e Falla. Buscou orientação formal de composição junto a Charles Koechlin, pois sentia que compunha segundo os ditames do instinto ao invés dos da inteligência. Viu-se obrigado a lidar com crises frequentes de depressão, consequência da morte prematura de amigos próximos e da relação conflituosa com sua homossexualidade. Tais desafios e duplicidades fizeram dele um compositor paradoxal, autor de uma obra que mescla religiosidade e ironia. Nas palavras de Claude Rostand, “em Poulenc há algo de monge e algo de malandro”.
Embora seu primeiro grande sucesso de crítica seja o balé Les biches, uma parceria com Diaghilev, a obra que sinaliza seu amadurecimento musical é o Concerto para dois pianos e orquestra, em ré menor. Em carta ao musicólogo belga Paul Collaer, Poulenc comunica a estreia da obra e refere-se à grande distância estética entre suas obras anteriores e o Concerto, que marcaria o começo de sua grande fase. Composto por encomenda da princesa de Polignac, o Concerto foi estreado em 5 de setembro de 1932, no Festival Internacional de Música Contemporânea de Veneza, pela orquestra do Teatro alla Scala regida por Desiré Defauw e tendo como solistas Poulenc e Jacques Février. Servindo-se de influências do vaudeville, do circo, da jazz band e dos gamelões balineses, que Poulenc ouvira na Exposição Colonial de Paris de 1931, a obra é um exemplar extraordinário do ecletismo estilístico associado ao Grupo dos Seis.
O Concerto compõe-se de um Allegro ma non troppo em forma ternária que desemboca em uma coda hipnótica sobre seis graus diatônicos que sugere gamelões, um Larghetto melodioso que evoca o andante do Concerto para piano em dó maior, K. 467, de Mozart, e um vibrante Finale que funde, no mais característico estilo moderno, elementos do music hall, dos clubes de jazz e das orquestras de gamelões. Nas palavras de seu compositor, a obra é “puro Poulenc”.
Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais e Doutor em Literatura pelo King’s College London.