Richard WAGNER
Se compositores como Robert Schumann não lograram deixar seguidores, ou outros, como Johannes Brahms, foram postos a contragosto como “chefes de escola”, o mesmo não se aplica a Richard Wagner. Esse grande gênio de um Romantismo que já se aproximava do crepúsculo propôs conscientemente uma nova concepção estética para a música e para a arte, criando, nas palavras de Roland de Candé, uma “Arte-Religião” da qual se tornou mentor e profeta. Nessa proposta, não há lugar para a indiferença e por muito tempo a música após o seu advento se dividiu em wagneriana e antiwagneriana. Criando o seu próprio mito e organizando sistematicamente o culto à sua figura, Wagner se posicionou conscientemente como uma espécie de Messias dos novos caminhos da arte: seus seguidores tomarão sua música como a grande profecia da evolução.
No entanto, o grande paradigma que Wagner estabelece, sobretudo na música que o sucede, não reside em sua proposta fundamental: a de uma arte sintética, capaz de congregar simultaneamente todas as diferentes linguagens e formas de expressão artística, nomeadamente a música, a poesia e o drama. Seu sonho profético tornou-se, hoje, um ritual de recordação, cuja prática maior insiste em permanecer viva nos festivais de Beyreuth. Seu verdadeiro legado, abraçado com fervor inconteste pelas gerações que o seguiram e que se lhe filiaram, fundamenta-se, antes, nos recursos insuspeitos que conseguiu explorar do Sistema Tonal. Seu uso audacioso do cromatismo, levando-o a possibilidades expressivas exponenciais, acabou por esgotar os recursos da própria harmonia tonal, libertando a dissonância e abrindo caminho para tendências que, paradoxalmente, estão em vértices opostos: de um lado Debussy, e, de outro, Schoenberg e a Segunda Escola de Viena. Duas obras representam com maior evidência esse trabalho: Tristão e Isolda e Parsifal.
Embora seja a sua última ópera, tendo sido estreada em 1882, Wagner já a havia concebido vinte e cinco anos antes, em 1857. Durante esse longo processo de elaboração, sempre intermitente, foram concluídas e vieram à tona obras de peso fundamental para a linguagem wagneriana, como os Mestres Cantores e o próprio Tristão e Isolda. Baseada sobre um poema épico do século XIII, a trama de Parsifal é centrada na figura do personagem-título (em português, Percival, cavaleiro da saga arturiana) e em sua demanda pelo Santo Graal.
À parte as controvérsias ideológicas que Parsifal e seu libretto tenham gerado, é certo que Wagner põe em relevo, aí, a Sexta-Feira Santa, mais que a própria Páscoa. A ambientação na Sexta-Feira Santa aparece efetivamente no terceiro ato da obra, e seus trechos orquestrais denotam, sinteticamente, os elementos fundamentais e os elaborados artifícios que constituem a linguagem wagneriana. Nesses trechos, portanto, sem entrar no mérito de sua qualidade artística, pode-se entrever a importância que essa grande obra teve, juntamente com Tristão e Isolda, na música do porvir e na delineação dos novos caminhos que a Música do Ocidente passa a trilhar a partir do século XX.
Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Mestre em Teoria da Literatura, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Fundação de Educação Artística e da Escola de Música da UEMG.