Os pássaros

Ottorino RESPIGHI

(1927/1928)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, oboé, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, celesta, harpa, cordas.

 

Em seus melhores momentos, Ottorino Respighi exibe uma inventividade de orquestração só comparável, em seu tempo, à de Ravel. Nenhum compositor italiano depois de Puccini conquistou tamanha popularidade internacional.

 

Em 1927, Respighi e a esposa, Elsa Respighi, visitaram o Brasil. No sábado, 18 de junho, apresentaram-se na embaixada da Itália. Na quinta-feira, dia 30, o Teatro Municipal do Rio recebeu a Sociedade de Concertos Sinfônicos de São Paulo para interpretar Danças e árias antigas (1917), Fontes de Roma (1915/1916), Os pinheiros de Roma (1923/1924) e a canção Il tramonto (1914) sob a regência do compositor. A segunda récita, no sábado, 2 de julho, trouxe Respighi ao piano no Concerto em modo mixolídio (1925) e Elsa numa seleção de canções. A terceira, na tarde de domingo, dia 3, combinou canções de Enrique Oswald, Francisco Braga e compositores italianos com melodias populares da América do Sul. O “Wagner italiano” representava a Itália “atual e progressista”, segundo o jornal A Noite. No ano seguinte, Respighi retornou ao Rio para reger, na terça-feira, 3 de julho, e na quinta, 5, Os pássaros (1927) e Impressões brasileiras (1928), na qual a melodia do Dies Irae se combina com o chocalhar de ofídios do Instituto Butantã. Sua música esteve presente nos palcos do Brasil e nas ondas das Rádios Clube e Sociedade desde a segunda metade dos anos 1920.

 

Se o realismo d’Os pinheiros de Roma incorpora a gravação fonográfica de um rouxinol à orquestra, Os pássaros parte de evocações animais por compositores dos séculos XVII e XVIII, que Respighi organiza numa sequência de movimentos contrastantes, sujeitos a mudanças internas de andamento e compasso, e a requintes de orquestração aprendidos de Rimsky-Korsakov e Richard Strauss. O Prelúdio baseia-se no compositor toscano Bernardo Pasquini (1637-1710) e alterna quaternários e ternários em andamentos mais ou menos acelerados. A pomba, um Andante expressivo ternário que termina em Allegro, se vale de uma composição do parisiense Jacques Gallot (?-c. 1690). A galinha, um Allegro vivace ternário, remete-se a Rameau (1683-1764), e O rouxinol, um Andante mosso quaternário, a um anônimo inglês. O movimento final, O cuco, em quaternário, retorna a Pasquini e às alternâncias de andamento para preparar a volta do tema inicial, na celesta, e sua repetição, em tutti conclusivo. Não há narrativa nem impressão de sentimentos. Logo, não se trata de música de programa, mas da imitação de animais e do estilo de compositores antigos, aos quais Respighi fornece os recursos sinfônicos do pós-romantismo germânico.

 

Embora fosse o compositor mais generosamente promovido por Mussolini, Respighi não se envolveu em política. Para Harvey Sachs, ele “não tentou cair nas graças do regime por ser o único compositor de sua geração que este apoiava sem ser solicitado”. Já na política musical Respighi assumiu posição conservadora ao assinar o Manifesto de músicos italianos pela defesa da tradição romântica do Oitocentos, em 1932, contra “a balbúrdia atonal e pluritonal, o objetivismo e o expressionismo”. Mussolini tomou partido dos modernistas nessa ocasião.

 

Carlos Palombini
Musicólogo, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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