John CORIGLIANO
Instrumentação: 3 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, piano, celesta, cordas.
A trilha sonora do filme canadense de François Girard O Violino Vermelho, de 1998, além de arrebatar um Oscar, rendeu a John Corigliano cinco obras musicais autônomas batizadas de O violino vermelho: a trilha sonora, a chacona para violino e piano, a suíte, o concerto e a chacona para violino e orquestra. Embora dotadas de inúmeras semelhanças e decorrentes de um mesmo material musical, cada uma revela um processo próprio de elaboração, preservando suas particularidades. A trilha sonora original compõe-se de cinco suítes, referentes a cada espaço geográfico e temporal do filme.
O filme narra a lenda de um violino de 1681 considerado perfeito: o violino vermelho. O instrumento, como protagonista, percorre mais de 300 anos de história e cinco cidades ao redor do mundo. Na Cremona do século XVII, o luthier Nicolò Bussotti era casado com Anna Rudolfi, que morre com o primeiro filho, no parto. O luthier, desesperado, mistura o sangue da esposa ao verniz de sua última obra, um violino. O instrumento é doado a um orfanato austríaco e, anos depois, passa ao órfão Kaspar Weiss. Em 1793, Weiss, um prodígio, é adotado por Poussin, professor de violino, que leva o menino e seu instrumento para Viena. Vindo o Príncipe Mannsfeld a Viena, à caça de talentos, Poussin lhe apresenta Weiss. Pressionado, o jovem, cardíaco, sofre um ataque e morre diante de Mannsfeld. Levado de volta ao orfanato, é enterrado com seu violino. Violadores de túmulos roubam o instrumento. Chegando às mãos de ciganos que o levam para Oxford, no final da década de 1890, passa às mãos do violinista Frederick Pope. Este caíra em desgraça com a afastamento de sua amante Victoria Byrd, pois inspirava-se em sua relação para manter-se músico produtivo. Porém, Victoria retorna, enciumada, atira no violino e foge. Frederick suicida-se, e o violino, levemente avariado, é levado por seu empregado chinês para Xangai. Na China, no final dos anos 1960, a jovem Xiang Pei recebe o violino como presente de sua mãe. Ao sair em defesa de um professor de música clássica perseguido, vê seu instrumento ameaçado. O Partido Comunista Chinês obriga Xiang a queimar o violino. Ela, porém, consegue escondê-lo com o professor. Com a morte do professor, anos depois, o violino, apreendido pelo governo chinês e enviado para Montreal, é leiloado. No Canadá, em 1997, descobre-se que aquele é o lendário violino vermelho, alvo secular de disputas.
A Chacona para violino e orquestra contém ideias presentes na trilha sonora original. O tema apaixonado de Anna Rudolfi é sobreposto a um conjunto padronizado de acordes repetidos, com ou sem variações, ao longo da obra. A manutenção de um padrão que se repete é característica da chacona, gênero de dança que se vale da técnica de variação sobre uma sequência inalterada de baixos. Devido a esse traço de manutenção e diferença, a chacona mostrou-se perfeita para a proposta de compor uma música capaz de ligar todas as cenas do filme com uma mesma ideia, mas modificando-se de acordo com o lugar do mundo e o momento histórico representado. Também o caráter sério e dramático da dança revelou-se ideal na composição da narrativa em que um instrumento é assombrado pelo amor e pela desgraça de um homem perdido na história. Corigliano fez surgir, da combinação do intenso tema romântico com os acordes da chacona, uma série de estudos virtuosísticos para violino solo.
A escolha de John Corigliano para compor a obra mostrou-se tão acertada que a crítica especializada reconheceu a música como a maior conquista do filme. Corigliano já havia composto duas trilhas sonoras: para os filmes Viagens alucinantes, de Ken Russel (1980), e Revolução, de Hugh Hudson (1985). Versátil, o compositor transita pelas mais diversas formas musicais. Apropria-se de estilos diversos que trata imaginativamente, combinando-os, frequentemente, numa mesma obra. Declara que se tornou compositor por não ter recebido em Columbia o preceito fundamentalista, tão difundido academicamente, de que “há apenas uma forma de compor”. A variedade de sua poética está marcada em seus três momentos. Entre 1963 e 1976, encontra-se fortemente influenciado pela “clara sonoridade americana de Barber, Copland, Harris e Schuman”. A partir de 1977, explora as técnicas tonais, microtonais, de timbre, seriais e aleatórias. Recorre também a textos e imagens visuais para o planejamento de suas obras. A partir da década de 1990, envolve-se com uma música mais próxima da linguagem midiática, retorna a linguagens nostálgicas e explora o uso cênico do palco e do seu exterior. O ecletismo que pratica decorre de sua formação e de sua prática pedagógica. Estudou composição com Otto Luening em Columbia. Trabalhou como programador musical da rádio do New York Times. Foi diretor e produtor musical em um projeto de Leonard Bernstein e professor na Manhattan School, na Juilliard School e no Lehman College, CUNY. John Corigliano fez de sua própria história um trabalho de composição formal que, assim como a chacona, varia a superfície da expressão – sua linguagem, sem modificar a mais profunda das estruturas de sua obra – a permanente comunicação com o público.
Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais.