Richard WAGNER
(1843)
Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, harpa, cordas.
“Nobre e revolucionária, realista e sonhadora, séria até a tragédia, alegre e irônica até o ridículo, faz rir e chorar, é filosófica e vulgar, complicada e simples”, assim mostra-nos o historiador Kurt Pahlen os multiformes aspectos de um dos mais atraentes gêneros musicais de todos os tempos: a ópera. Dentre todos os que a ela se dedicaram, Richard Wagner é o que mais merece uma ópera narrando sua vida. Vida que, de acordo com o British Museum General Catalogue of Printed Books, rendeu mais livros do que as biografias de Bach, Beethoven e Mozart. Controverso como a ópera, Wagner foi amado por sua música e rejeitado por seu caráter. Forjar um novo e fantástico mundo sonoro e literário, baseado na obstinada intenção de criar um novo conceito de arte, a Gesamtkunstwerk – obra de arte total – estava para ele acima de qualquer obstáculo ou consideração ética na vida pessoal. Certo ou errado, usou conscientemente todos os recursos e a força avassaladora de seu talento para criar, e o resultado foi uma música inovadora, maravilhosa e elevada.
A partir de O Navio Fantasma, Wagner rompeu com a forma operística convencional. Passou a trabalhar com temas míticos e adotou um sistema próprio (ainda não teorizado naquela circunstância), em que utilizava a melodia contínua, os diálogos durchkomponierten – totalmente postos em música – e os leitmotiven (melodias condutoras que facilmente permitem ao ouvinte reconhecer uma personagem ou um fato que retorna) como base para seus dramas musicais, fundamentados na poesia (Wagner se denominou poeta-músico), mas também em pintura cenográfica, dança, arquitetura e efeitos especiais. Fonte geradora de tamanha façanha, Wagner se autoproclamava gênio universal e, dessa vez, estava inteiramente certo.
Da mitologia marítima surgiu a figura do Holandês Voador, obrigado a vagar eternamente em seu navio fantasma por desafiar o destino, ao insistir em dobrar o tempestuoso Cabo das Tormentas. Fugindo de credores, Wagner e sua primeira esposa, Minna, haviam embarcado clandestinamente no navio Téthis e fizeram a travessia de Riga a Londres em meio a calmarias e tempestades. Em Mein Leben, sua autobiografia repleta de inventividade, Wagner inclui uma falsa passagem, na qual a tripulação do navio busca refúgio em um fiorde norueguês, mesclando, à versão da lenda de autoria de Heinrich Heine, sua própria vida: transportou o cenário da Escócia à Noruega, mudou o nome das personagens e se imaginou no papel do infeliz Holandês Errante, desgraçado por suas convicções e condenado a vagar até que o amor fiel da jovem Senta o libertasse.
Na Abertura da ópera, Wagner expõe os dois motivos principais, resumindo o drama: o apelo dramático do marinheiro amaldiçoado – por meio de quatro trompas e dois fagotes e a seguir desenvolvido pela orquestra – e o motivo suplicante de Senta, apresentado pelo corne inglês, um fagote e trompa, em andante.
Se Oscar Wilde disse que “a vida imita a arte”, também pode-se fazer uma analogia: o alemão errante Richard Wagner, em seu funeral numa gôndola sobre as águas de Veneza, velado por sua fiel Cósima (que abandonara Hans von Bülow), junto a Franz Liszt, seu pai; como Daland, pai de Senta, vê a filha se lançar ao mar para se juntar ao Holandês Errante, abandonando Erik, seu noivo.
Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.
Olho:
Controverso como a ópera, Wagner foi amado por sua música e rejeitado por seu caráter. Certo ou errado, usou todos os recursos e a força avassaladora de seu talento para criar, e o resultado foi uma música inovadora, maravilhosa e elevada.
Forjar um novo e fantástico mundo sonoro e literário, baseado na obstinada intenção de criar um novo conceito de arte – a obra de arte total – estava para ele acima de qualquer obstáculo ou consideração ética na vida pessoal.