Leopoldo Miguez
Nascido e falecido no Estado do Rio de Janeiro, Leopoldo Miguez, filho de pai espanhol e mãe brasileira, viveu até os 21 anos em Portugal. Iniciou os estudos musicais no Porto, cidade natal do pianista português Arthur Napoleão, com o qual se associou em 1878, no Rio de Janeiro, fundando a Casa Arthur Napoleão & Miguez, a mais importante loja de pianos e música da capital do Império. Em 1881, abandonou as atividades comerciais e retornou à Europa para aperfeiçoar-se como músico. O contato com importantes personalidades e novas tendências musicais não foi tão marcante para o compositor brasileiro quanto o impacto da morte de Richard Wagner, ocorrida em 1883. Em 1884, Miguez retornou ao Brasil e fundou o Centro Artístico, a fim de promover a “música do futuro”, égide carregada por Berlioz, Wagner e Liszt e da qual se tornou defensor convicto. Sua mente aberta e progressista o fez defensor também dos ideais republicanos, fomentados pelos ideólogos positivistas inspirados por Tiradentes. Miguez cegamente se transformou em inconfidente, visto que, ao apoiar Deodoro, traiu a confiança de D. Pedro II que generosamente lhe havia recomendado em carta ao Conservatório de Paris. Mas, de fato, a boa imagem do Imperador sem sucessor direto não impediria a iminente ascensão do sentimento republicano aliado à questão abolicionista. Com a Lei Áurea, em 1888, o império perdeu os últimos apoiadores, os proprietários rurais, que logo aderiram aos insurgentes. Em 1889 foi proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil e o Imperador buscou exílio na Europa.
Em 1890, após vencer o concurso de composição do Hino à Proclamação da República (destinado a ser o novo Hino Nacional Brasileiro), Miguez compôs uma magnífica obra orquestral cujo frontispício da edição alemã possui as seguintes palavras em francês: Avè, Libertas! Poème symphonique pour grand orchestre commemoratif du 1er anniversaire de la proclamation de la République des États Unis du Brésil par Leopoldo Miguéz. Hommage au Maréchal Manuel Deodoro da Fonseca, proclamateur de la République brésilienne.
Em 1897 a obra foi apresentada no Salão Gil Vicente do Palácio de Cristal, no Porto, em Portugal, ao lado da Sinfonia à Pátria do pianista português Viana da Mota e do Prelúdio do Lohengrin de Wagner. A ave da liberdade simbolizada por Miguez abriu as asas sobre a aurora do nacionalismo e o início do modernismo musical, arquitetando uma visão otimista sobre o progresso. Brilhante orquestrador, ele pode ser considerado um de nossos melhores sinfonistas. Ave, Libertas! é exemplo disso: o curto tema introduzido pelas trompas e repetido pelas violas acompanhadas por duas harpas foi suficiente para desenvolver metade da obra, inspirada no tratamento temático estabelecido por Liszt em seus poemas sinfônicos. Tal tema, desdobrado e transformado, retorna no triunfante desfecho, após uma marcha iniciada com solo de trompete. Mais que a letra do hino musicado por Miguez, a poesia republicana homônima, escrita posteriormente por Augusto dos Anjos, reflete a essência desta música: Esplende, pois, oh Redentora d’alma, Oh! Liberdade, essa bendita e branca luz que os negrores da opressão espanca, essa luz etereal bendita e calma. Vós, oh Pátria, fazei que destes brilhos, caia do Santuário lá da História, fulgente do valor da vossa glória, a Bênção do valor dos vossos filhos!
Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela UFMG e professor na UEMG.