La boutique fantasque: Suíte

Ottorino RESPIGHI

(1918)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, celesta e cordas.

 

Ottorino Respighi faz parte, juntamente com Afredo Casella, Franco Alfano, Gian Francesco Malipiero e Ildebrando Pizzetti, da chamada generazione dell’Ottanta, grupo de compositores, nascidos por volta dos anos 1880, que dominaram a cena musical italiana entre as duas guerras mundiais – período imediatamente posterior à geração de Puccini, Mascagni, Leoncavallo e Busoni. Respighi foi compositor, musicólogo, pianista e violista. Estudou com Giuseppe Martucci, em Bologna; Nicolai Rimsky-Korsakov, em São Petersburgo; e Max Bruch, em Berlim. É, provavelmente, o compositor italiano do século XX mais admirado fora da Itália, com suas obras regularmente executadas e gravadas em todo o mundo.

 

Em 1918, quando sua música começava a tornar-se conhecida na Europa, Sergei Diaghlev encomendou-lhe um balé para a companhia Balés Russos. Escrito em um ato, o balé La boutique fantasque conta a história de uma fantástica loja de bonecas mecânicas. À noite, longe dos olhares humanos, as bonecas ganham vida e vivem seus pequenos dramas. Durante o dia, ficam em exposição na vitrine, dançando para os fregueses. Quando duas famílias de turistas, uma russa e outra americana, chegam à loja, um casal de bonecas dança-lhes um cancan. Os americanos, encantados, compram o bailarino, enquanto os russos escolhem a bailarina, e decidem retirar a mercadoria no dia seguinte. À noite o casal de bonecas sofre pela separação iminente e foge. As famílias retornam no dia seguinte e se enfurecem pelo desaparecimento das bonecas. Os brinquedos ganham vida e afugentam os turistas que, uma vez do lado de fora, assistem da vitrine a uma alegre dança protagonizada pelo negociante, seus brinquedos e o casal de bonecas que reaparece para a dança final.

 

La boutique fantasque faz parte de um grupo de balés escritos na mesma época, para os Balés Russos, que reutiliza música italiana dos séculos XVIII e XIX. Com essa destinação, em 1916 Vicenzo Tommasini orquestrou sonatas para cravo de Domenico Scarlatti; em 1919 foi a vez de Stravinsky compor Pulcinella sobre peças do século XVIII que, na época, acreditava-se serem de Pergolesi. Para La boutique fantasque, Respighi arranjou e orquestrou um grande número de miniaturas compostas por Rossini em seus últimos anos.

 

Gioacchino Rossini, após ter interrompido uma carreira de sucesso como compositor de óperas, estabelecera-se em Paris, onde viveu seus últimos anos apreciando a culinária francesa, organizando e frequentando festas e assistindo a espetáculos. Compôs então uma miscelânea de mais de 150 pequenas peças com as quais ele adorava entreter seus convidados. Para as mais variadas formações instrumentais, elas acabaram sendo publicadas, após a morte do compositor, sob o título de Péchés de vieillesse (Pecados da velhice).

 

Respighi escolheu muitas dessas miniaturas para o balé, compôs seções de ligação entre as peças e orquestrou o conjunto. O resultado foi uma música encantadora, que associa o melodismo fluente de Rossini com o colorido orquestral ímpar de Respighi. Com coreografia de Léonide Massine e cenário de André Derain, o balé La boutique fantasque teve sua primeira apresentação no Alhambra Theatre, em Londres, no dia 5 de junho de 1919, pela companhia Balés Russos. O sucesso foi tão grande que a obra ganhou logo a versão “suíte de concerto”.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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