Kabbalah, op. 96

Marlos NOBRE

(2004)

Instrumentação: 2 piccolos, 2 flautas, 3 oboés, 3 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 6 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, piano, cordas.

 

Nascido em Recife, Pernambuco, Marlos Nobre começou seus estudos musicais aos cinco anos de idade. Em 1959 recebeu seu primeiro prêmio, Músicas e músicos do Brasil, promovido pela Rádio MEC. Tal reconhecimento atrai o jovem compositor para São Paulo, para o círculo de Koellreutter e Guarnieri. Desenvolvendo-se rapidamente, em 1963 parte para Buenos Aires com bolsa da Fundação Rockefeller. Ali, por aproximados dois anos, aperfeiçoa-se no Instituto Torcuato di Tella. Nesse período, o contato com Ginastera, Messiaen, Dallapiccola e Malipiero o aproxima das vanguardas e suas mais novas técnicas composicionais. Em Tanglewood, Estados Unidos, a relação com Bernstein, Goehr e Schuller foi marcante e memorável.

 

Inumeráveis prêmios e condecorações, cargos administrativos e pedagógicos garantiram a Marlos Nobre um lugar de destaque no cenário musical, consagrando-o como figura de rara versatilidade. Compositor, pianista e regente, protagonizou momentos singulares da história da música brasileira. Foi o primeiro brasileiro a reger a Royal Philharmonic Orchestra de Londres, além de conjuntos como a Orchestre de la Suisse Romande, a Orchestre Philharmonique de l’ORTF de Paris ou a Orquestra Filarmónica Del Teatro Colón. Foi o primeiro compositor residente do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, o mais tradicional dos festivais brasileiros de música.

 

Foi também para a 35ª edição do Festival de Campos do Jordão que Marlos Nobre compôs Kabbalah, por encomenda do maestro Roberto Minczuk. A obra, dedicada a Minczuk, foi estreada pela Orquestra Acadêmica do festival em 23 de julho de 2004. De acordo com o compositor, Kabbalah representa um amadurecimento em sua forma de estruturação lógica do material e em seu trabalho de orquestração. Um conjunto restrito de intervalos gera toda a obra, enquanto a orquestração é a mais ampla já usada por ele. A complexidade e riqueza de timbres resulta, paradoxalmente, numa sonoridade equilibrada em que a massa orquestral robusta soa clara, quase transparente. A peça é pensada em dois níveis complementares: um rigorosamente matemático, responsável pela elaboração formal da peça em suas micro e macroestruturas, a partir de números cabalísticos; outro intuitivo, reflexo de “inspiração momentânea”, trabalho de elaboração de acidentes de percurso, de estados bruscos da imaginação, de sugestões inconscientes. A essência rítmica da obra jorra do contínuo choque de tensões e relaxamentos. Os metais narram o tema principal, o “tema da kabbalah”, em dois momentos culminantes. O final traz à tona todos os elementos anteriormente utilizados, fundindo-os numa explosão sonora.

 

À época da composição da obra, Marlos Nobre encontrava-se fascinado pelos preceitos fundamentais da “Kabbalah” – em hebraico, “o que é recebido”. É a partir do ideal de desejo cabalístico, luz e energia, que o autor constrói toda a obra. Nela, o início representa a luz, seu desenvolvimento, a energia. A cabala é a fonte de energia e conhecimento que revela aos homens os caminhos do conhecimento divino. Em Marlos Nobre, ela é a sonoridade da imaginação e da inspiração, vias de acesso, para o artista, aos valores ocultos do universo.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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