Green Flash

Roger Zare

(2006)

Instrumentação: 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, piano, celesta, cordas.

O compositor revela um processo composicional pouco usual. Quando compõe, não dispensa muito tempo planejando a música, suas estruturas, o caminho a ser percorrido. Toma fôlego e escreve do primeiro ao último compasso. Não se sente confortável diante de estruturas pré-planejadas, paredes pré-fabricadas. Quer que a música flua organicamente, de um lugar a outro, no tempo e no espaço. Seu modelo: a natureza.

Roger Zare ainda terminava a graduação em música, na University of Southern California, quando compôs Green Flash, em 2006. Logo no ano seguinte, a obra foi estreada pela USC Thornton Symphony, sendo regida por Donald Crockett, seu professor de composição. Green Flash recebeu os importantes prêmios da Broadcast Music, Inc. e da American Society of Composers, Authors and Publishers. Uma de suas obras mais representativas, ela é uma eloquente confissão musical de seu fascínio pela natureza e pelas ciências, em especial astronomia e meteorologia. A identificação do compositor com a natureza e as ciências ultrapassa a busca por compreensão e expressão da organicidade – cerne de seu processo composicional –, alcançando a superfície de vários de seus trabalhos, nos quais os títulos revelam a fonte da inspiração musical: Aerodynamics, LHC, Pulmonary suite, On the electrodynamics of moving body, Geometries, Nothern Lights. Em meio à poética de Zare, Green Flash é a maturação de sua voz como compositor orquestral, é a apropriação de algo que lhe parece pertencer, algo como uma herança natural ou, nas palavras de Christopher Rouse, algo que corre em suas veias.

A inspiração dessa peça, revelada pelo título, é o brilho verde ou raio verde. Trata-se de um fenômeno óptico que ocorre ao nascer ou ao pôr do sol, caracterizado por uma pequena mancha verde acima do astro, visível apenas por pouco segundos. Após observar o fenômeno pela primeira vez, em 2005, na Flórida, Zare soube que deveria capturar esse efêmero e misterioso momento em uma obra musical. Green Flash é um poema sinfônico. Narra o espaço de um dia numa sucessão de cenas, do nascer ao pôr do sol. Cada cena sugere uma iluminação característica, “nuvens e cores”, nas palavras do compositor. A primeira, o amanhecer escuro, lúgubre, que gradualmente se ilumina. A cena seguinte traz a neblina espessa de uma manhã opaca. A terceira captura os cirros delgados se contorcendo numa dança pelo céu. A penúltima cena é uma tempestade violenta e rápida que deságua na cena final, o pôr do sol. Apenas nos últimos segundos da obra seu sentido se completa: o raio verde torna-se audível através de um glockenspiel, alojado fora do palco, e do soar de harmônicos nas violas.

Longe de afiliações estéticas ortodoxas, Roger Zare pensa cada obra como um universo em si, como um espaço para investigar novas formas de expressão. Mais que o domínio ou a formulação de uma linguagem musical definitiva, o jovem compositor encanta-se pelas possibilidades de convergência entre ideias sonoras e visuais. Se em Green Flash a série harmônica é explorada em blocos melódicos ou harmônicos, o que realmente o ocupa é saber como essa sonoridade sugere cores, efeitos de luz, numa transposição complementar de sua experiência inicial: aquela na qual um feixe verde de luz lhe soou como uma obra musical.

Igor Reyner, pianista e Mestre em Música pela UFMG.

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