Edward ELGAR
(1919)
Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, cordas.
Desde a morte de Purcell, em 1695, a Inglaterra (que tivera influentes compositores medievais e renascentistas) desenvolvia suas atividades musicais em torno, sobretudo, de compositores estrangeiros. A obra de Elgar, o primeiro compositor britânico a ter um lugar certo no repertório sinfônico internacional, foi decisiva para a renovação da música inglesa, a partir dos últimos anos do século XIX.
Na era vitoriana, os corais de amadores tornaram-se uma prática nacional. Várias cidades provincianas organizavam festivais (alguns ainda hoje em vigor) com cantores locais e a participação de solistas e orquestras convidados. O jovem violinista Edward Elgar, filho do organista da igreja de Worcester, participava assiduamente desses eventos tradicionais – um longo caminho seria percorrido antes que ele se livrasse do estigma de compositor de festivais, para se tornar o músico mais reconhecido da época eduardiana. Ainda hoje sua imagem popular é a do artista que melhor expressou o orgulho patriótico dos súditos da rainha Vitória e de Eduardo VII. Embora impregnado de romantismo alemão, Elgar soube reencontrar a sonoridade e o sentimento peculiares à música inglesa.
Depois da Primeira Guerra Mundial, Elgar voltou-se para a música de câmara, compondo peças mais austeras, despojadas e repletas de tristeza e ternura. Última grande obra do período outonal de Elgar, o Concerto para violoncelo apresenta uma orquestração contida, poética e opaca que “deixa livre a alma do instrumento”, nas palavras de Pablo Casals.
A obra inicia-se com uma inusitada introdução declamada, pelo solista, antes da entrada do tema principal (A) nas violas orquestrais. O tema B é anunciado pelo clarinete. No todo, o movimento mantém o caráter de melancólico solilóquio, até se desfazer sutil e ininterruptamente no andamento seguinte.
Os violoncelos e os contrabaixos da orquestra sustentam uma nota grave, e o solista relembra, com efeitos de guitarra dedilhada, a introdução do Concerto. O segundo movimento sustenta-se impetuoso até o final, marcado pelo padrão rítmico constante das notas articuladas no violoncelo.
O breve Adagio é notável por sua eloquência. Inicia-se com uma frase interrogativa da orquestra, seguida de arrebatadora melodia do violoncelo. O movimento lembra uma elegíaca canção sem palavras, passa por tonalidades remotas e deixa sem resposta a pergunta inicial.
Alguns compassos da orquestra, um recitativo e uma cadência do violoncelo levam ao amplo quarto movimento que atinge surpreendente intensidade expressiva e exige grande virtuosidade do solista. Perto do final, o violoncelo permite-se dois momentos de poética recordação: relembra apaixonadamente o tema do movimento e retoma os compassos de abertura do Concerto. Uma breve coda conclui então de forma abrupta a partitura, mesclando, pela primeira vez, o violoncelo e o tutti orquestral.
O Concerto para violoncelo estreou em Londres em 26 de outubro de 1919, tendo como solista Felix Salmond e regência do compositor.
Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.