Claude DEBUSSY
Os Noturnos de Debussy para orquestra e coro feminino foram compostos entre 1897 e 1899, mas sua estreia se deu, de fato, em duas ocasiões diferentes. Os dois movimentos iniciais – Nuages (Nuvens) e Fêtes (Festas) – tiveram primeira audição em dezembro de 1900, pela Orquestra Lamoureux dirigida por Camille Chévillard. A integral da obra, incluindo o terceiro movimento – Sirènes (Sereias) –, que conta com um coro feminino, veio a público em outubro de 1901.
Também conhecida como Sinfonia Tríptica, os Noturnes foram inspirados num conjunto homônimo de pinturas da década de 1870, do artista norte-americano James McNeill Whistler. Assim como as telas de Whistler, consideradas “estudos de luz e sombra que oferecem impressões de paisagens e objetos”, a obra de Debussy revela-se jogo luminoso sutil, através de um colorido orquestral até então inédito.
O próprio Debussy gentilmente nos introduz à obra: “A palavra Noturnos deve ser entendida num sentido geral e, mais particularmente, num sentido decorativo. Não se trata da forma habitual do noturno, mas sim de tudo o que este termo pode evocar de impressões e jogos de luzes. Nuages: é o aspecto imutável do céu e do movimento lento e solene das nuvens desaparecendo em tons de cinza aos quais se mesclam delicados tons brancos. Fêtes: é o ritmo dançante da atmosfera, iluminado em alguns instantes por deslumbrantes feixes de luz; um cortejo de figuras fantásticas aproxima-se da festa e perde-se nela. O fundo é sempre o mesmo: a festa com sua confusão de música e luzes que dançam em ritmo cósmico. Sirènes: o mar e seu movimento incessante; sobre as ondas é refletida a luz da lua, escuta-se o misterioso canto das sereias, alegre, perdendo-se na infinitude”.
A exemplo da estreia de 1900, no programa de hoje constarão apenas os dois primeiros movimentos: Nuages e Fêtes.
Em Nuages apresentam-se dois temas distintos: o primeiro, formado essencialmente por intervalos de quintas e terças paralelas, é anunciado pelos clarinetes e fagotes e reapresentado pelos violinos. O ritmo, regular e oscilante, evoca o movimento contínuo das nuvens, enquanto a dinâmica é mantida em pianissimo. O segundo tema apoia-se na escala pentatônica e é ouvido inicialmente pelas flautas e harpa. Esse tema estará presente até o final do movimento, quando toda a paleta orquestral é direcionada para a região grave, evocando “tons de cinza aos quais se mesclam delicados tons brancos”.
Os elementos melódicos de Nuages são reaproveitados no segundo movimento, Fêtes, revelando uma conexão entre seus temas. A “festa” inicia-se com um acorde de flautas sobre o qual os violinos, em fortissimo, repetem intervalos de quintas num ritmo frenético. Podemos vislumbrar em Fêtes uma construção formal inspirada no pensamento clássico, consistindo em introdução, exposição, desenvolvimento e curta recapitulação em que é relembrado o material temático do início da exposição. Tal como na sua obra anterior, Prélude à l’après-midi d’un faune (1894), Debussy liberta-se das leis harmônicas, melódicas e rítmicas que dominaram o pensamento acadêmico da época. Assim, encontramos nessa obra harmonias paralelas livremente encadeadas e apoiadas por ritmos não regulares, dissolução de uma tonalidade fixa substituindo-a por sugestões fugidias de centros harmônicos ambíguos, tratados com grande liberdade construtiva, e um refinamento orquestral que viria a ser paradigmático na evolução da música do século XX.
Na ocasião de suas estreias, os Noturnos não obtiveram o resultado esperado e, por isso mesmo, Debussy passou boa parte de sua vida revisando a partitura, aprimorando, sobretudo, o último movimento, para obter uma mistura satisfatória entre as vozes e a orquestra. Hoje ela é considerada um marco na sua produção e mesmo um avanço na música do século XX no que tange, especialmente, ao tratamento da tonalidade e ao colorido orquestral.
Ana Claudia Assis
Pianista, Doutora em História pela UFMG, Professora da Escola de Música da UFMG, integrante do grupo Oficina Música Viva da Fundação de Educação Artística