Concerto para violino em Ré maior

Igor STRAVINSKY

(1931)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 3 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, cordas.

 

Um dia, Willy Strecker, gerente da casa editorial Schott & Sons, e Samuel Dushkin, violinista polonês radicado em Paris, sentaram-se com Stravinsky para a difícil tarefa de convencê-lo a escrever um concerto para violino e orquestra. Stravinsky tinha dúvidas de que seria capaz de escrever uma obra brilhante e eficaz para um instrumento com o qual ele se sentia tão pouco familiarizado. Para suprir tal deficiência, Dushkin se propôs a ajudá-lo com todos os conselhos necessários, encontrando as melhores maneiras de transpor, para o violino, suas ideias musicais. Stravinsky acabou aceitando o convite e o Concerto para violino foi composto durante o ano de 1931, nos momentos em que ele encontrava tempo em sua ocupadíssima agenda de concertos. Compositor e violinista encontraram-se inúmeras vezes nas residências de Stravinsky em Paris, Nice e Voreppe, uma pequena vila próxima a Grenoble. No manuscrito de Stravinsky, os dois primeiros movimentos estão datados de 20 de maio de 1931, o terceiro movimento, de 10 de junho do mesmo ano, e o quarto movimento não possui data. Segundo Dushkin, o quarto movimento foi o último a ser composto. Em suas memórias, ele se recorda de que, enquanto aprendia a tocar os três primeiros movimentos, Stravinsky compunha o quarto. A partitura orquestral foi finalizada no dia 25 de setembro de 1931, e o concerto foi estreado menos de um mês depois, no dia 23 de outubro, pela Orquestra da Rádio Berlim, com Samuel Dushkin ao violino e regência do próprio Stravinsky.

 

O Concerto para violino faz parte da fase neoclássica de Stravinsky. Surgido, na Europa, no período compreendido entre as duas guerras mundiais, o neoclassicismo foi uma tendência que buscou trazer, para a música de concerto, alguns conceitos musicais do século XVIII, tais como clareza, equilíbrio, economia e ordem. Na prática, os elementos musicais utilizados eram oriundos não apenas do Classicismo, como também do Barroco, razão pela qual essa corrente costuma, também, levar o nome de neobarroco. Inúmeros foram os compositores que aderiram ao neoclassicismo, não apenas Stravinsky, mas também Prokofiev, Rachmaninov, Hindemith, Satie, Ravel, Milhaud e Villa-Lobos. O impulso inicial que levou os mais variados compositores a comporem obras “neoclássicas” foi, não apenas, uma negação do excesso de emocionalismo e subjetivismo românticos, como também uma reação contra a expressividade reprimida e o racionalismo vigente nas correntes vanguardistas da época.

 

O neoclassicismo não foi uma fase de continuidade de uma determinada tradição, uma vez que não lidava com o passado imediato e sim, com um passado remoto. Foi, na verdade, um momento de expansão crítica de uma tradição musical já adormecida havia mais de cem anos. Se os compositores neoclássicos foram acusados de revisar o passado, ao invés de olhar para o futuro, o mesmo poderia ser dito de qualquer compositor do século XX. Antes de tudo, deve-se ter em mente que, revisar o passado, com o olhar do presente, é sempre mirar no futuro. Foi assim e tem sido sempre assim, não apenas na música como em todos os domínios do saber. Aqueles que, no início do século, relutaram em compor obras “neoclássicas”, não foram menos atrelados à tradição. Schoenberg, Berg e Webern, por exemplo, tinham a forte convicção de que pertenciam a uma tradição dominante, a tradição musical alemã, e de que trabalhavam na corrente principal dessa tradição. A tradição era algo vivo para eles, ao contrário de Stravinsky, que vinha de uma tradição musical folclórica, tradição que ele afirmava ou abandonava a bel-prazer. Stravinsky simplesmente pegava emprestado da música do passado, não apenas do passado russo, mas do passado de qualquer nação, e a transformava livremente, sem parcimônia: “vocês respeitam o passado, eu o amo”.

 

Guilherme Nascimento
Doutor em Composição, professor de Música da UEMG e da Fundação de Educação Artística, autor do livro Música menor.

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