Camille SAINT-SAËNS
Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, percussão, cordas.
A versatilidade de Camille Saint-Saëns foi algo incomum. Compositor reconhecido, pianista, organista, maestro, professor e editor musical, interessou-se também por diversos ramos do conhecimento científico como matemática, acústica, astronomia, arqueologia, botânica e filosofia. Sua intelectualidade multifacetada foi enriquecida por inúmeras viagens a lugares exóticos como Sri Lanka, Indochina, Ilhas Canárias e Egito. Conheceu bem o Brasil e foi amigo de dois ícones de nossa história musical: Luigi Chiafarelli e Henrique Oswald. As criações de Saint-Saëns advêm da mentalidade de um connoisseur que desdobrava em si o espírito de um cientista grego e de um músico renascentista. Como alguns destes, ele se utilizava do conhecimento para compor melodias simples e populares. Leve e brilhante, sua música possui certo glamour nonchalant displicente, e, talvez por isso, no auge do Romantismo, Saint-Saëns foi incompreendido e acusado de artista inconsistente.
Entre mais de cento e cinquenta obras em todos os gêneros musicais, figuram dez concertos: cinco para piano, três para violino e dois para violoncelo. O Concerto para piano nº 2, o mais famoso deles, foi escrito em dezessete dias, inspirado pela primavera parisiense de 1868. A obra surgiu da amizade entre Saint-Saëns e o pianista russo Anton Rubinstein, que a encomendara no intuito de se exibir como maestro para o público francês. Fundador do Conservatório de São Petersburgo, Anton Rubinstein (que não devemos confundir com o pianista polonês Arthur Rubinstein), atuou em larga parte da história musical do século XIX. Muitas vezes confundido como filho de Beethoven, pela sua aparência, Anton Rubinstein conheceu Mendelssohn, tocou para Chopin e Liszt, foi professor de Tchaikovsky e guiou dois dos maiores pianistas do início do século XX: Josef Hofmann e Sergei Rachmaninov.
A estreia do Concerto nº 2, ocorrida a 13 de maio de 1868, teve o próprio Saint-Saëns como pianista. A apresentação ocorreu na famosa Salle Pleyel, em Paris, onde o compositor, aos dez anos de idade, realizara seu début como solista de dois concertos. Afora o sucesso imediato do segundo movimento por parte do público, a crítica não demonstrou entusiasmo com a obra estreante e o próprio autor assumiu não ter tido tempo suficiente para se preparar. Stojowsky (compositor polonês) disse, com certa dose de humor e empáfia, que a obra ia “de Bach a Offenbach”. Fazia referência à introdução improvisatória do piano, organística, tão comum à sacralidade da música de Bach; e ao final do Concerto, uma agitada tarantella, dançante, próxima da natureza mundana do can-can de Offenbach. Anton Rubinstein, na sua crítica, salientara o conjunto diverso da obra destacando “elegância e ousadia, brilho deslumbrante e temperamento”, enquanto Franz Liszt afirmava que ela lhe agradava “singularmente”. Talvez a beleza superficial, a polidez e a sabedoria no manejo das formas tradicionais tenham passado despercebidas pelos críticos como os verdadeiros ideais do compositor. Raras são as palavras que, como as de Alfred Cortot, nos explicam a música de Saint-Saëns: “ritmos claros e até brilhantes, mais inteligência do que sensibilidade, mais verve do que sentimentos”.
Marcelo Corrêa
Mestre em Piano pela UFMG, é pianista e professor da Escola de Música da UEMG