Bela BARTÓK
Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.
O êxito do Concerto para piano nº 2 em Frankfurt, no dia 23 de janeiro de 1933, marcou a última apresentação pública de Béla Bartók na Alemanha. O compositor estava no auge de sua carreira pianística – a obra fora elaborada nos intervalos de uma longa turnê europeia e terminada na Suíça. Dos três concertos que escreveu para piano, Béla Bartók pôde estrear os dois primeiros. O último, escrito no exílio americano, simultaneamente ao Concerto para viola, foi sua obra derradeira (os compassos finais foram orquestrados por Tibor Serly, seu discípulo predileto). Como pianista, Bartók atuou sob a direção de célebres regentes, convidado por famosas orquestras europeias e americanas. Fez seu primeiro recital aos dez anos, preparado pela mãe, competente professora de piano; depois, entre outros mestres, recebeu os ensinamentos de Istvan Thoman, aluno de Liszt. Lecionou piano no Conservatório de Budapeste, consolidando a fama de excelente pedagogo. Dedicou a seu instrumento predileto obras didáticas de inegável valor artístico e um repertório fundamental para a música moderna.
Além da obra pianística, a produção de Béla Bartók (incontestavelmente um dos compositores mais originais, inovadores e influentes do século XX) abrange variados gêneros, incluindo obras orquestrais, música para teatro (ópera, balé e pantomima), importantes combinações de câmara, música vocal e coral. Sua arte atingiu um ponto culminante nos seis Quartetos de Cordas, associados em linha direta aos quartetos da última fase de Beethoven e que fazem de Bartók o principal mestre moderno dessa modalidade camerística.
Aos dezoito anos, estudante apaixonado da obra de Liszt e seguindo o exemplo desse genial compatriota, Bartók começou a pesquisar metodicamente as manifestações musicais populares de seu país. Até o começo do século XX, a música húngara confundia-se com a música dos ciganos daquela região, como nos exemplos célebres das Rapsódias de Liszt e nas Danças húngaras de Brahms. A descoberta do autêntico folclore magiar foi obra de Bartók e de seu amigo, o compositor Zoltán Kodály (1882-1967).
Bartók estendeu suas pesquisas a países eslavos da Europa Central e a outros, chegando ao norte da África e à Turquia. Seu método implicava uma ética – o respeito absoluto pelas diferentes etnias e a superioridade do humanismo sobre o nacionalismo. Guiado por seu espírito científico, o compositor recolheu, classificou e analisou milhares de canções, em busca de procedimentos musicais comuns a diversas culturas camponesas. Assimilou a surpreendente riqueza rítmica do folclore e libertou-se da hegemonia do sistema tonal, pelo uso sistemático de modos e escalas seculares. Renunciando aos efeitos fáceis de exotismo superficial, Béla Bartók se serviu do folclore não apenas num sentido ornamental. Ao incorporar elementos “primitivistas” à melhor tradição erudita ocidental, contribuiu decisivamente para a renovação da linguagem musical contemporânea.
Paralelamente às pesquisas de etnomusicologia, Bartók elaborou uma síntese original de certos aspectos do cânone musical ocidental. Reconhecia-se tributário do pianismo de Liszt e, sobretudo (como declarou, em entrevista ao maestro Serge Moreux), da influência de três grandes compositores: Debussy, Beethoven e Bach.
Como Bach, Béla Bartók conscientemente cultivou conceitos matemáticos para atingir o equilíbrio entre a expressividade musical e a realização formal. Esse rigor bachiano domina, por exemplo, o tratamento temático do primeiro Allegro do Concerto para piano nº 2. Sua arquitetura divide-se nas seções clássicas – exposição, desenvolvimento, recapitulação e coda. Os temas da exposição são de caráter principalmente rítmico (stravinskyanos), o primeiro deles abrindo a partitura com a energia dos trompetes sobre o piano. Na recapitulação, todos esses temas aparecem invertidos e, na coda, o tema inicial será utilizado em movimento retrógrado. A estrutura do Concerto apresenta uma admirável simetria entre suas três partes. O Segundo Movimento é um dos mais belos de toda a obra orquestral de Bartók. A inclusão de um Presto central articula esse “noturno” em uma divisão também ternária (Adagio-Presto-Adagio). Emoldurado pelos dois adágios e pelos movimentos extremos, o Presto serve, assim, de núcleo para todo o Concerto que resulta em uma construção espelhada (rápido – lento/rápido/lento – rápido).
O Terceiro movimento possui uma agressiva aceleração (do Allegro molto ao Presto) e o piano liberta-se de qualquer vestígio romântico, executando traços de bravura e vigor inusitados.
A escrita orquestral do Concerto visa, sobretudo, a variedade das cores. O colorido diferenciado é nitidamente desenhado pela alternância dos naipes – no primeiro movimento dominam os instrumentos de sopro e a percussão, enquanto as cordas se calam. No segundo, os sopros só aparecem na seção central. O terceiro movimento é o único em que toda a orquestra é valorizada.
Obra da plena maturidade de Béla Bartók, o Concerto para piano nº 2 apresenta algumas das características mais marcantes de sua linguagem: a simetria formal matematicamente calculada, a animação dançante de matriz folclórica, o contraste dinâmico dos ritmos alternados e da irregularidade métrica, a indefinição tonal e o intenso lirismo.
Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.