Concerto para violino nº 2

Bela BARTÓK

(1939)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, percussão, harpa, celesta, cordas.

 

Bartók fez seu primeiro recital aos dez anos, preparado pela mãe, competente professora de piano. Aos dezoito anos, estudando com Istvan Thoman, ex-aluno de Liszt, o jovem compositor começou a pesquisar metodicamente as manifestações musicais populares de seu país. Liszt escrevera um livro sobre o virtuosismo dos violinistas ciganos, inspiradores de suas célebres Rapsódias Húngaras. E até o começo do século XX, a música húngara (all’ongarese) confundia-se com a música cigana (alla zingarese). Bartók ampliou as pesquisas em direção ao autêntico folclore magiar. Ao incorporar elementos “primitivistas” à melhor tradição erudita ocidental, renunciou aos efeitos fáceis de exotismo superficial e contribuiu decisivamente para a renovação da linguagem musical contemporânea.

 

O violino era o instrumento principal dos verbunkos, dança propagada pelas orquestras ciganas da Hungria. Bartók confirmaria as origens dessa dança entre as formas instrumentais praticadas havia séculos pelos camponeses húngaros e a utilizou em algumas de suas importantes obras para o instrumento, como as Rapsódias para violino e orquestra e os Contrastes para piano, violino e clarineta. Note-se que o primeiro movimento do Concerto para violino nº 2 deveria originalmente chamar-se Tempo de verbunkos. Somente após a morte de Bartók este Concerto passou a ser conhecido como o de nº 2, devido à descoberta de um concerto anterior, escrito em 1908. Possui três movimentos. Na orquestração são usados alguns efeitos ousados, como o pizzicato em fortissimo da seção de cordas, quase ao final do primeiro movimento. Este Allegro ma non troppo estrutura-se na forma clássica de sonata, com seus dois temas e desenvolvimento. A harpa desenha o fundo rítmico de acordes perfeitos, estabelecendo um clima de recolhimento para o solo do violino, repleto de melancólico lirismo – um primeiro tema cantante, amplo, caracterizado por intervalos de quartas e quintas. Juntos, solista e orquestra iniciam uma passagem marcada risoluto. O segundo tema, também confiado ao solista, comporta uma sequência das doze notas cromáticas, sem repetição. Não há, porém, a intenção de desenvolver uma construção dodecafônica e a série se dissolve em trinados. Alguns críticos sugeriram que o autor ironizava aí a Segunda Escola de Viena (movimento estético liderado por Schoenberg, criador do dodecafonismo), mas Bartók respeitava Schoenberg e seus seguidores e, na audição do concerto, o (improvável) caráter satírico é imperceptível. Após um clímax, os glissandos da harpa servem novamente de acompanhamento para uma versão do primeiro tema que marca o início do desenvolvimento formal. O tempo é acelerado e, em uma surpreendente passagem, com acompanhamento da celesta e da harpa, o violino exibe no registro agudo uma inversão do tema. Quando este retorna, está a uma oitava superior e sem o acompanhamento da harpa. Outros materiais também são recapitulados até que a longa e virtuosística cadência do solista, composta pelo autor, anteceda a conclusão.

 

O segundo movimento, em Sol maior (Andante tranquillo), consiste de uma série de seis variações sobre um tema de natureza rapsódica e cantante anunciado pelo violino. As variações permitem apreciar a versatilidade de uma instrumentação de nuanças notáveis, sobretudo pelo uso surpreendente da percussão. Na primeira variação, o solista é inicialmente acompanhado apenas por golpes isolados dos tímpanos, reforçados pelos contrabaixos. A variação 2 se inicia com a flauta repetindo longas notas sobre as quais se destacam o solista, a harpa e depois a celesta. A variação 3 privilegia as trompas, ao lado do violino. Na variação 4 a melodia é inicialmente confiada aos violoncelos e contrabaixos, enquanto o solista os acompanha com trinados. Triângulo e caixa entram na leve variação 5 (scherzando). Na variação 6, as cordas e os tambores acompanham o violino. Quando a percussão silencia, o solista faz uma expressiva e lenta escala descendente, preparando a reexposição do tema inicial, que, gradativamente, diminui até chegar a uma única nota Sol aguda para concluir o movimento.

 

O movimento final (Allegro molto) tem o caráter de um rondó, embora seja construído como um allegro de sonata. Após alguns enérgicos compassos da orquestra, o violino inicia o tema principal – derivado do tema do primeiro movimento. Essa semelhança temática caracteriza a forma “em arco”, bastante apreciada por Bartók e responsável pela unidade estrutural do concerto. As variantes do tema principal são, sobretudo, rítmicas. Somadas às mudanças abruptas de andamento e expressão, exigem excepcional virtuosismo do solista. O concerto foi publicado com dois finais alternativos, um dos quais somente para orquestra e o outro que inclui a participação do solista. O final sem solista apresenta um formidável glissando dos metais. Em ambas as opções, o tema principal prende a atenção do ouvinte até a conclusão da obra.

 

O Concerto para violino nº 2 desenvolve admiravelmente a estética da variação. Escrevê-lo em forma de Variações era, a princípio, aliás, a intenção de Bartók; a forma tradicional adotada, em três movimentos, foi sugerida por Zoltán Székely, violinista húngaro a quem o autor dedicou a obra e que a estreou, em março de 1939, em Amsterdam, sob a regência de Willem Mengelberg.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.

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