Jorge Antunes
Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, piano, cordas.
Espirituoso, combativo, detentor dos títulos de cidadão honorário de Brasília e Chevalier des Arts et des Lettres pelo governo francês, e com uma formação acadêmica sólida – possui três bacharelados (Física, Violino, Composição e Regência) e pós-graduação em diversos países, como na Argentina, Holanda, França –, Jorge Antunes é, antes de tudo, um defensor da dignidade humana e vê na obra de arte uma possibilidade de lutar para que o mundo seja mais justo. Acredita no valor social e portanto ético e político da música. Além disso, é considerado precursor da música eletroacústica no Brasil e ocupa, desde 1994, a cadeira número 22 da Academia Brasileira de Música.
O conceito de harmonia remonta à Antiguidade clássica e possuía, naquela época, significados que abrangiam tanto a simultaneidade dos sons quanto a sua organização sucessiva, além de se referir a especulações relacionadas à harmonia entre alma e corpo, bem como ao equilíbrio dos corpos celestes. Esse entendimento permanece no século das luzes e está presente na obra de Jean-Philippe Rameau (1683-1764), que defendia a harmonia como legítima imitação da natureza e base para a construção musical, inclusive da melodia. Ao contrário de Rameau, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) defendia que a melodia era, sim, a verdadeira representante da natureza: afinal, os pássaros cantam melodias e não fazem harmonias. Além disso, os sentimentos humanos “somente” podiam ser expressos por meio de uma “bela” melodia.
Em seu poema sinfônico Apoteose de Rousseau, Jorge Antunes encena, justamente, uma disputa sonora entre melodia e harmonia. E toma o partido de Rousseau, logo pelo Iluminismo, mostrando de que lado está. Nessa direção, a magistral composição de Jorge Antunes inicia-se com uma melodia pungente que, desconstruída e reconstruída, funciona como um fio condutor para nossa memória auditiva. Assim, durante toda a obra podemos ouvir melodias diatônicas, cromatismos e contrapontos contrapostos e sobrepostos a clusters (aglomerados de notas), além de uma riqueza de timbres orquestrais. O poema oscila entre harmonias densas e sonoridades mais delicadas, conduzindo-nos a uma audição ora mais próxima a harmonias tonais, ora, atonais. Ao lado disso reconhecemos citações estilísticas barrocas, clássicas, românticas e uma melodia modal tradicional, combinados em uma composição atual, moderna e com grande força expressiva, finalizando com a melodia inicial.
De qualquer modo, o vocábulo apoteose – que também comporta o significado de ápice ou grandiosidade –, em sua acepção original traz o sentido de divinização de um imperador romano, de um herói e posteriormente do mártir da igreja cristã. Nessa perspectiva, a associação desse vocábulo a Rousseau, ou a Rameau, teria um sentido, pelo menos implícito, de glorificação ou imortalizacão. Ainda assim, a música para alguns e a melodia para os melômanos parecem ainda guardar uma relação com o inefável, com o suprassensível. Apesar de Jorge Antunes mostrar-se sempre mais preocupado com as questões sociais atuais.
Edilson Vicente de Lima
Doutor em Musicologia pela USP, Mestre em Artes pela Unesp, professor na Universidade Federal de Ouro Preto.