Anton BRUCKNER
Instrumentação: Flauta, piccolo, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.
Essa estranha figura que vive todo o século XIX é mais moderna do que aparenta. Anton Bruckner foi elevado, a contragosto, à categoria de inaugurador de uma escola… Assim como Brahms. Partidários de um e de outro opuseram-nos em vida. O classicismo das sinfonias de ambos é animado por um sopro indubitavelmente romântico, mas o de Bruckner se alinha mais com a tradição vienense, pela franqueza melódica, cuja acessibilidade o deixa mais livre e mais ousado. Há quem diga que Bruckner tenha uma importância histórica mesmo maior que a de Brahms: seu legado se situa em um estágio capital entre Mahler e o Schubert da Grande Sinfonia em Dó maior.
Sua vida e sua obra são todas guiadas pela fé, inquebrantável, devota, que é a sua fonte maior. Organista, suas peças sinfônicas remetem não raro à sonoridade do órgão romântico, seja pela disposição homogênea de famílias instrumentais, seja pelos cheios que agregam todos os registros. Os extensos desenvolvimentos de suas sinfonias têm uma conotação quase metafísica… exalam um odor de eternidade em que o tempo não conta no diálogo com Deus.
Na sua linguagem, a herança de Beethoven e Schubert imiscui-se da música de Wagner, que é determinante em sua escrita orquestral, sem, no entanto, fazê-la perder a originalidade. Fato é que, com isso, Bruckner acaba sendo adotado pela modernidade, que o alça a uma espécie de lugar paradigmático.
O compositor da Abertura em sol menor, no entanto, é relativamente diverso do compositor das extensas nove sinfonias (na verdade, o número real conta onze, sendo que duas são obras de juventude, assim como a Abertura). Sintético, quase clássico, é ainda a um jovem compositor que se ouve (a despeito dos seus trinta e oito anos), anterior à primeira sinfonia, cuja herança beethoveniana é inquestionável.
Ainda em Linz, estudando com Otto Kitzler, Bruckner compõe, em 1862, suas quatro primeiras peça orquestrais. A partitura seguinte, composta entre 1862 e 1863, ainda sob a orientação de Kitzler, foi a Abertura em sol menor. Publicada e estreada somente em 1921, em Kolsterneuburg, Áustria, sob a batuta de Franz Moissl, a obra sofreu algumas alterações a partir de sua concepção, sempre orientadas por Kitzler.
Vê-se, com isso, o Bruckner histórico, quase anedótico: um homem de origem camponesa, que se cria sem cultura (o que, do ponto de vista livresco, não deixa de ser verdade), cuja tenacidade no trabalho (sempre reverente a seus mestres) e cujo instinto o alçaram a um lugar de importância fundamental na história da música.
Do Bruckner da Abertura em sol menor ao Bruckner do Requiem em ré menor ou do Te Deum há um grande espaço… Mas ele não é vácuo. O resultado de um é fruto do trabalho do outro.
Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.