Brasiliana

Camargo GUARNIERI

Em uma conjuntura de afirmação dos elementos caracteristicamente brasileiros na produção musical, Camargo Guarnieri compôs, no ano de 1950, a suíte Brasiliana. Esta obra constitui-se em expressão emblemática do nacionalismo musical enfatizado por Camargo Guarnieri em sua Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil, escrita em novembro de 1950. Neste documento histórico que causou grande polêmica no meio musical, Camargo Guarnieri ressaltava que o folclore brasileiro é dos mais ricos do mundo e alertava, ainda, para as influências que ameaçavam a cultura musical brasileira junto aos jovens compositores e intérpretes. Assim, a Brasiliana revela a “afinidade com a alma do povo” mencionada pelo compositor paulista no referido documento. Note-se que em um contexto de grandes embates pela questão identitária nacional, como nas décadas de 1940-1950, Camargo Guarnieri colocava-se na difícil posição de defender e traduzir as expressões da cultura brasileira através de suas composições.

 

Os três movimentos que compõem a Brasiliana – Entrada, Moda e Dança – contrastam entre si no que concerne ao caráter e ao andamento. Os dois movimentos rápidos são intercalados por um movimento lento. Assim, podemos apreciar, no primeiro movimento (incisivo e ritmado), um tema sincopado e brilhante, inicialmente apresentado pelas madeiras e posteriormente desenvolvido pelo flautim. Já no segundo movimento, intitulado Moda (terno, dolcissimo), uma linha melódica suave e sensível executada pelo clarinete é acompanhada pelas cordas, remetendo às modas de viola – canções populares oriundas dos meios rurais do interior do Brasil. No terceiro movimento, Dança (moderato scherzando), o tema é apresentado inicialmente pelo fagote, com destaque às linhas vibrantes e ritmadas dos instrumentos de percussão. Neste movimento, a obra é concluída de maneira enfática, com a indicação “Grandioso” e a utilização de todo o conjunto orquestral.

 

A Brasiliana foi composta a partir da encomenda feita pela fundação norte-americana Koussevitski Music Foundation. A obra foi dedicada à memória da fundadora da mencionada instituição, Nathalie Koussevitski, falecida no ano de 1942, esposa do regente e compositor russo Sergei Koussevitski (1874-1951), grande amigo de Camargo Guarnieri. Esta suíte teve sua estreia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1951, sob a regência do próprio compositor. No ano seguinte, a Brasiliana foi coreografada por Vaslav Veltchek e apresentada em um bailado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com cenários de Mário Conde e figurinos criados pelo artista plástico Carybé.

 

Cesar Buscacio
Pianista, Mestre em Música e Educação pela Unirio, Doutor em História Social pela UFRJ, professor na Ufop.

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