Nikolai RIMSKY-KORSAKOV
Em São Petersburgo, na segunda metade do século XIX, quatro jovens aspirantes a compositores se reuniam na casa de Mily Balakirev para estudar música. Eram eles Alexander Borodin, César Cui, Modest Mussorgsky e Nikolai Rimsky-Korsakov. Conhecidos como o Grupo dos Cinco, seus membros dedicavam-se a produzir obras nacionalistas, baseadas na tradição folclórica russa, e rejeitavam qualquer música produzida no Conservatório, por considerar o estudo acadêmico nocivo à formação de jovens compositores. O Grupo dos Cinco se dissolveu nos anos 1870 e, na década seguinte, um novo grupo se formava em São Petersburgo, desta vez em torno do rico comerciante, mecenas e editor musical Mitrofan Belyayev. O Círculo Belyayev, como ficou conhecido, era formado pelos compositores Rimsky-Korsakov, Alexander Glazunov, Anatoly Lyadov, Nikolai Tcherepnin e Félix Blumenfeld; o musicólogo Alexander Ossovsky; o crítico Vladimir Stasov; e tantos outros que eram aceitos no Círculo tão logo concluíam seus estudos no Conservatório. Rimsky-Korsakov era o líder musical do Círculo. Assim como o Grupo dos Cinco, os membros do Círculo Belyayev pregavam uma música nacionalista, mas acreditavam que a grande música russa somente poderia ser criada através de uma sólida formação musical dos compositores. Belyayev, além de publicar e divulgar as obras dos autores russos com seus próprios recursos, sem se preocupar com o retorno financeiro imediato, criou, em 1886, a série Concertos Sinfônicos Russos, para a qual Rimsky-Korsakov compôs suas obras mais conhecidas: o Capricho Espanhol (1887), Shéhérazade (1888) e A Grande Páscoa Russa (1888).
A Grande Páscoa Russa: abertura sobre temas da igreja russa para grande orquestra, composta entre agosto de 1887 e abril de 1888, foi dedicada à memória de Mussorgsky e Borodin. Sua estreia se deu no dia 3 de dezembro de 1888, sob a direção do compositor. Os temas dessa Abertura são, em grande parte, retirados do Obikhod, uma coleção popular de velhos cânticos da igreja ortodoxa, incluindo cânticos russos, gregos, búlgaros e ucranianos, adotados como cânticos litúrgicos oficiais pela Corte Imperial dos Romanov. Em apenas um movimento, a música representa, nas palavras do compositor, uma “transição entre o sombrio e misterioso ambiente do Sábado da Paixão ao júbilo sem limites do Domingo da Ressurreição”.
A peça se divide em introdução, seção central e coda. A introdução (Lento mistico) inicia-se com o tema do Obikhod “Deus levantando-se” nas madeiras, seguido do tema “um anjo lamentando”, no violoncelo solo. Ambos os temas são trabalhados até que se atinja a seção central, dividida em três partes: na primeira, (Allegro agitato) os primeiros violinos e o primeiro oboé apresentam o tema “fugirão de diante Dele os que O odeiam” (Salmo 68), entrecortado com fragmentos do primeiro tema (“Deus levantando-se”). Ao atingir o primeiro clímax da peça somos levados a um momento tranquilo (Poco più sostenuto e tranquillo), quando então ouvimos o tema “Cristo ressuscitou” nos primeiros violinos. Após toques de sino e uma fanfarra nos trompetes, somos conduzidos à segunda parte dessa seção central: um recitativo lento e misterioso do segundo trombone. Tem início, imediatamente, a terceira parte da seção central, que se constitui de uma reexposição da primeira parte, com ligeiras modificações. O tema “Cristo ressuscitou” reaparece na coda, desta vez nos trombones e tuba, enquanto toda a orquestra imita o repique dos sinos. Um tutti nos conduz a um majestoso desfecho.
Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor da Escola de Música da UEMG, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.