Os Prelúdios, Poema Sinfônico nº 3

Franz Liszt

(1853)

Instrumentação: Piccolo, 3 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas

 

Pianista idolatrado pelo público, improvisador de habilidade vertiginosa, viajante incansável, Franz Liszt transitou internacionalmente nos meios artísticos, filosóficos e políticos europeus liderando de maneira abrangente e profunda o movimento romântico.

 

Aos 35 anos, para dedicar-se mais à composição, o lendário concertista diminuiu a frequência de suas apresentações. Entre 1848 e 1861, fixando-se em Weimar, transformou a pequena cidade em um dos centros musicais mais influentes da Europa. Liszt liderava a “música do futuro”, representada principalmente pelo trabalho de três compositores – Berlioz, o próprio Liszt e Wagner. Para eles, os gêneros intimamente ligados à forma sonata haviam atingido os limites da perfeição no conjunto da obra dos clássicos vienenses (Haydn, Mozart, Beethoven) e seria, portanto, impossível ir musicalmente à frente sem procurar outros caminhos. Para substituir os sistemas preestabelecidos da tradicional organização formal, cultivaram a ideia do poematismo – o princípio gerador da música programática –, ou seja, a ordenação do discurso sonoro pela lógica motriz de ideias, fatos ou caracteres extramusicais. Cada obra exigiria, assim, uma nova forma, diferente, específica.

 

Em Weimar, Liszt escreveu doze poemas sinfônicos que, segundo o próprio compositor, não buscavam retratar musicalmente os enredos poéticos escolhidos, mas sim externar os sentimentos que tais assuntos lhe suscitavam. Sob esse aspecto, Liszt seguiu a orientação de Beethoven para a Sinfonia Pastoral: “mais sentimento do que pintura”. Os poemas sinfônicos não correspondem à imagem do virtuosismo cintilante e fácil que se esperava de Liszt. Em sua maioria, são peças reflexivas, experimentais, inquietantes. Deve-se observar, também, que os prefácios literários afixados a essas partituras não foram escritos pelo compositor, mas por sua companheira, a princesa Carolyne von Sayn-Wittgenstein,  e pelo maestro von Bülow.

 

O esboço de Les Préludes remonta a 1845, inicialmente planejado como abertura coral para os poemas Les quatre élements, do marselhês Joseph Autran. O mais célebre dos poemas sinfônicos só ganharia sua forma independente e definitiva em 1853, com o título inspirado nas Nouvelles Méditations Poétiques de Lamartine: “Que é nossa vida, senão uma série de prelúdios para aquele canto desconhecido, do qual a morte faz soar a primeira e solene nota?”.

 

Na lenta e misteriosa introdução, em uníssono das cordas, ouve-se o motivo gerador, uma célula de três notas. O Andante maestoso enuncia o poderoso tema principal, em Dó maior. A constante variação de andamentos a seguir – Allegro; Tempestuoso; Pastorale; Marziale – parece acompanhar os diferentes prelúdios que compõem a vida humana: a felicidade, a inquietude, a serenidade, as lutas… No final, a reprise do tema principal brilhantemente orquestrado leva a uma gloriosa conclusão, numa afirmação das forças da vida sobre a morte. A obra estreou em Weimar, no dia 23 de fevereiro de 1854, sob a regência de Liszt.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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