Concerto para violino nº 3 em Sol maior, K. 216

Wolfgang Amadeus MOZART

(1775)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 trompas e cordas.

 

Se há compositores que foram decisivos para mudar o curso da História da Música, este não é o caso de Wolfgang Amadeus Mozart. Coloquemo-lo ao lado de seus contemporâneos da Primeira Escola de Viena: Joseph Haydn foi fundamental para sedimentar e cristalizar certos procedimentos formais, certas sonoridades e certas linguagens instrumentais que, vindas de uma herança rococó, assumem, com ele, feições definitivamente clássicas. Beethoven foi o grande questionador desses paradigmas e, com isso, o grande inaugurador, ao menos ideologicamente, do Romantismo na música. Mozart, por sua vez, contentou-se com dominar e empregar (magistralmente, em ambos os casos) as técnicas e linguagens já estabelecidas. Se em certo sentido vê-se uma espécie de engajamento ideológico em Haydn e em Beethoven, isso em absoluto poderia ser percebido na música de Mozart, cuja ambição maior é estar justamente isenta de qualquer ideologia: ela quer puramente significar a si própria.

 

Nesse aspecto poder-se-ia dizer, sem maiores reservas, que, na música, Mozart é a encarnação do século XVIII e é por sua abstração que incita às reflexões mais elevadas. No entanto, parece não haver paradoxo maior do que entre a música de Mozart e a figura humana que a produziu. Sua personagem histórica revela uma mente pouco erudita, nada especulativa, e uma personalidade completamente submetida, até o fim, à figura do pai. Que se deixe à Psicanálise a tarefa de resolver esse paradoxo. Sua música, mais que qualquer outra, fala por si só. Se nos é permitida a audácia, diríamos que ela se explica pelo segundo nome com que o compositor foi batizado: Theophilus.

 

A obra de Mozart é prodigiosamente pródiga, se considerarmos os seus apenas trinta e cinco anos de vida! O principal de sua obra são sem dúvida suas óperas e suas missas. Sua obra instrumental sabe o mais das vezes à música vocal a que sempre se dedicou. Esse modelo transparece nos cinco concertos para violino de Mozart, de 1775, quando o compositor residia ainda em Salzburgo, onde ocupava o posto de mestre de concertos da Corte Arquiepiscopal, a cujos eventos dedicavam-se provavelmente essas obras. Mozart não se mostra, no entanto, alheio às possibilidades do violino e, sem grandes arroubos de virtuosidade, sabe explorar, nesses concertos, a sua linguagem.

 

O luminoso Concerto em Sol maior, terceiro dos cinco, não traz maiores novidades formais ou melódicas. Trata-se de um concerto bem ao gosto do modelo clássico, com três movimentos bastante distintos: o primeiro em forma sonata; o segundo, um adágio de modelo nitidamente vocal; e o terceiro, um rondó final. É de se notar o diálogo que o violino trava com o oboé no primeiro movimento. E igualmente notável é o final do último movimento, que, ao invés de brilhante, opta por ser, por assim dizer, delicado, o que lhe reforça o caráter de dança. Impossível comentar mais o que uma música tão sólida já diz por conta própria, como tudo em Mozart…

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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