Antônio Francisco BRAGA
“Tive um sonho, que não há entendimento humano capaz de dizer que sonho foi. Olhos humanos jamais viram, ouvidos humanos jamais ouviram, os sentidos não podem conceber, nem a língua exprimir o que foi que sonhei”. Assim o tecelão Bottom desperta, confuso, em Sonho de uma Noite de Verão, de William Shakespeare. O trecho, uma vã tentativa de definição do sonho, foi entendido por Francisco Braga como alegoria de um pesadelo enigmático e sem significação. Ele utilizou esse fragmento da fábula como epígrafe do poema sinfônico Cauchemar (pesadelo, em francês) que compôs em Paris, em 1895. Cauchemar é uma obra representativa da primeira fase de Francisco Braga, de pura influência francesa, e coroa o período de cinco anos em que foi discípulo do compositor Jules Massenet.
Órfão, aos sete anos Francisco Braga foi internado no Asilo de Meninos Desvalidos do Rio de Janeiro, cidade onde nasceu. Integrou a banda de música da instituição como clarinetista e, aos quinze anos, ingressou no Conservatório Imperial de Música. Ficou em segundo lugar no concurso de composição do novo Hino Nacional Brasileiro, em 1890. Ainda assim, recebeu uma das premiações: o financiamento do governo brasileiro para estudar na Europa. Ao final do curso no Conservatório de Paris, o jovem de vinte e sete anos regeu na Galerie des Champs Elysées um programa de obras exclusivamente de compositores brasileiros, estreando então seu Cauchemar. No ano seguinte assistiu à Filarmônica de Dresden na execução de duas de suas obras, Cauchemar e Paysage, no imponente Teatro Gewerbehaus de Dresden, que veio a ser destruído em 1945 pelos ataques aéreos. Na década em que viveu na Europa, Francisco Braga residiu também em Viena, Capri e Bayreuth, cidade cuja devoção ao recém-falecido Richard Wagner provocou nele o surgimento de mais um fervoroso devoto. A ópera Jupyra, concluída em 1899, desenhada em traços wagnerianos, delimita a segunda fase de sua produção. Em 1900, de volta ao Brasil, foi nomeado professor do Instituto Nacional de Música, notabilizando-se por formar toda uma geração de compositores brasileiros. Em 1906 compôs o Hino à Bandeira, com versos de Olavo Bilac, que lhe rendeu grande popularidade e, em 1909, regeu o concerto de inauguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no qual estreou Insônia, seu último poema sinfônico.
Insônia, A Paz, Cauchemar, Paysage, Episódio Sinfônico, Oração pela Pátria e Marabá são todos poemas sinfônicos e demonstram a vocação orquestral do compositor. Surgiram entre a última década do século XIX e a primeira do século XX, época em que a arte musical – após longo período de fixação dos moldes clássico e da estética romântica – experimentava um momento de transição ao se atualizar, formal e expressivamente. Francisco Braga, dotado da mais alta formação e probidade artística, optou por perseverar na tradição dos mestres franceses e alemães, sem embrenhar-se no modernismo ou no folclore nacional. Nesse sentido, segundo Mário de Andrade, ele integra o grupo de compositores brasileiros menos característicos. Nos últimos anos de vida, Francisco Braga utilizou em algumas canções certas singularidades brasileiras, porém dedicando-se prioritariamente a ensinar, reger e compor a música de seus sonhos, “tão bela quanto ouvido humano jamais ouvira”, sem desobedecer ao seu coração.
Marcelo Corrêa
Mestre em Piano pela UFMG, pianista e professor da Escola de Música da UEMG